Cuidem dos rios urbanos!

Semelhante ao padrão brasileiro, o “urbanismo” da nossa cidade teimou em eleger os rios, os riachos e as lagoas como adversários ao progresso

Legenda: Avenida Heráclito Graça
Foto: José Leomar

Rios e cidades, cidades e rios; é difícil separar esse par e, mais ainda, listar seus papéis e hierarquizar suas contribuições à história e à civilização. Há cinco mil anos o berço da urbanização mundial foi construído nas terras entre rios no Oriente Médio. Passados os milênios, muitas outras "mesopotâmias" surgiram e a relação rio e cidades ficou mais íntima, porém não menos conflituosa.

Rio Eufrates
Legenda: Rio Eufrates
Foto: Shutterstock

Na verdade, é bem fácil identificar as cidades ou rios ao lembrar das tessituras e imaginários e simbolismo. A maioria lembrará Lisboa, o Tejo e a poesia de Fernando Pessoa. Os românticos rapidamente mencionarão Paris e o Sena. Os economistas apontarão as cidades industriais alemãs e o vale do Ruhr. Os amantes da história ficarão atentos ao caso do imenso Nilo, suas cidades e ruínas. Os místicos abrirão a lista com o Ganges e toda a espiritualidade das populações hindus.

Rio Amazonas
Legenda: Rio Amazonas
Foto: Shutterstock

E o que acontece na maior bacia hidrográfica do mundo, a nossa Amazônia? A vida urbana é deveras condicionada pelo regime dos rios, por seus meandros e suas dimensões. Manaus e Belém são grandes metrópoles brasileiras e maiores estandartes de uma hierarquia urbana fluvial. A elas estão associadas muitas outras médias e pequenas cidades, da mesma forma ou até mais, condicionadas pelos cursos d’água. É o universo amplo e multiforme das cidades ribeirinhas.

Legenda: Rio Nilo
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Legenda: Rio Ganges
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Legenda: Rio Sena
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Legenda: Rio Tâmisa
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Legenda: Rio Ruhr
Foto: Shuttestock
Legenda: Rio Tejo
Foto: Shutterstock
Legenda: Rio Eufrates
Foto: Shutterstock
Legenda: Rio Amazonas
Foto: Shutterstock
Legenda: Rio Tietê
Foto: Shutterstock
Legenda: Rio Pinheiros
Foto: Shutterstock
Legenda: Riacho Pajeú
Foto: Helene Santos
Legenda: Rio Cocó
Foto: José Leomar
Legenda: Rio Cocó
Foto: José Leomar
Legenda: Rio Maranguapinho
Foto: José Leomar

Maltratados em nome do progresso

Nessa estreita relação, há da mesma forma o que lamentar. No período da primeira Revolução Industrial, fundamentado no avassalador processo de mineração e na mecanização, os rios foram maltratados, devastados; quase mortos. Tornaram-se rios tristes para que a civilização industrial florescesse. As populações urbanas os transformaram em latrinas correntes. Encarado enquanto condição insustentável, a situação fluvial precária, em alguns países e cidades, foi gradualmente revertida. Está aí o caso do Tâmisa em Londres para nos lembrar de como é possível reverter tal degradação.

Rio Tietê
Legenda: Rio Tietê
Foto: Shutterstock

Lamentavelmente, no Brasil nossos rios urbanos continuam tristes. Quem nunca ouviu falar das espumas contaminantes a flutuar sobre as águas do tão modificado rio Tietê, em São Paulo? e o terrível odor exalado pelos dejetos misturados às águas do Pinheiros? Sim, a capital econômica do Brasil é exemplo de transformação urbana baseada na canalização, nos aterros e na retilinização dos rios. Um verdadeiro atentado à natureza face aos objetivos da modernização econômica. 

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O que falar da relação de Fortaleza com os rios?

E de Fortaleza, o que temos a falar? Semelhante ao padrão brasileiro, o “urbanismo” da nossa cidade teimou em eleger os rios, os riachos e as lagoas como adversários ao progresso. A história da cidade é marcada assim pelo aterro constante, ocupação das margens, supressão e a canalização de tudo que é corpo hídrico superficial.

Riacho Pajeú
Legenda: Riacho Pajeú
Foto: Helene Santos

Além de ambientalmente incorreto (lembre-se das inundações), isso tudo enfeia nossa Capital. Pra mim, não há coisa mais desastrosa na paisagem urbana do que nossos canais artificiais, riachos cercados por paredes de concreto. 

O riacho Pajeú, marca natural e condicionante importante da ocupação da vila de Fortaleza, foi praticamente escondido entre ruas e galerias. Muito raramente, ele aparece na paisagem como algo a lembrar o que fora há séculos. Só é lembrado popularmente durante o período chuvoso e mais ainda pelas imagens da avenida Heráclito Graça, seu antigo curso, tomadas pelas águas pluviais. 

Rio Maranguapinho
Legenda: Rio Maranguapinho
Foto: José Leomar

O Rio Ceará e, principalmente, o Maranguapinho, seu principal tributário, são os casos mais emblemáticos. Suas margens, transformadas pela desigualdade urbana, apresentam-se como áreas de risco e de habitação precária. Os projetos de alocação de infraestrutura são infindáveis e, da mesma forma, ineficientes na preservação do pouco de natureza que resta.

Rio Cocó
Legenda: Rio Cocó
Foto: José Leomar

Por fim, resta falar do Cocó. É, sem equívoco, o mais lembrado por conta do Parque Urbano homônimo. Inclusive, a delimitação clara do Parque é fato a comemorar e tende a resguardar o grande patrimônio ecológico que nos resta. Ressalte-se, porém, que o Cocó não começa exatamente no trecho mais protegido.  No seu médio curso, persistem males tão comuns e predatórios como os detalhados no caso do Maranguapinho.

Rio Cocó
Legenda: Rio Cocó
Foto: José Leomar

Para concluir, lembro que na semana passada usei este espaço para tratar das mudanças climáticas e dos possíveis efeitos no meio urbano. Nesta semana, descortino uma das prioridades para uma agenda de mudanças. Aí está o primeiro desafio! Vamos começar a cuidar muito mais dos nossos rios. Eles são como veias a encher de vida e verde o tecido urbano. Sem eles, a vida na cidade é insuportavelmente cinzenta.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.