Adjetivos e expressões nada simpáticos para caracterizar a Fortaleza do século XXI

Lamentavelmente, o improviso urbano, o medo e a desigualdade são características atuais de Fortaleza.

Legenda: Já os moradores de seus bairros mais populares sofrem as agruras das ações instáveis das facções criminosas
Foto: Denise Luz/Divulgação

Fortaleza coleciona adjetivos e expressões, na maioria simpáticos, capazes de representar faces da cidade. Certamente, os leitores conhecem as expressões “cidade da alegria”, “capital alencarina”, “cidade do sol”, “Fortaleza bela”, “cidade turística” et cetera. As terminologias ora evidenciam a história da cidade, ora estereótipos positivos relativos à natureza ou à receptividade do seu povo.

Longe de querer ser um estraga-prazeres, é bom complementar a lista de adjetivos, desta vez sobressaindo elementos camuflados pelo city marketing institucional. Tenho assim três outros complementos para identificar nossa cidade: a “Cidade MacGyver”, Fortaleza Fobópole e a “Cidade Estilhaçada”.

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Cidade MacGyver. MacGyver é o nome da personagem principal da série americana Profissão Perigo, dos anos 1980. Nos episódios, o agente especial, boa praça, sempre metia-se em situações difíceis, mas resolvia os problemas na última hora e com soluções inusitadas. Fortaleza, desde os primórdios, cultiva em seu modelo de cidade o improviso que se torna solução. Não é uma cidade sem planejamento, porém acostumada a dar um “jeitinho” e adaptar as soluções técnicas aos interesses políticos de ocasião.

Podemos lembrar das centenas de operações tapa buraco, paliativas de uma estrutura asfáltica, extraordinariamente, ineficiente.

No processo (ou na sequência dos episódios), os probleminhas tornam-se problemões cada vez mais complicados de se resolver (transporte público, a deposição dos resíduos sólidos, as péssimas calçadas, as favelas...).

Fortaleza Fobópole. A cidade do medo generalizado. Se na primeira metade do século XX, Fortaleza era provinciana e pacata, no século XXI a sensação de medo é deveras presente no cotidiano e no imaginário dos seus moradores. De maneira distinta, é verdade! Para os moradores mais abastados e habitantes dos denominados bairros ditos nobres o temor está na violência patrimonial (roubos, furtos, sequestros).

Já os moradores de seus bairros mais populares sofrem as agruras das ações instáveis das facções criminosas. Nesses bairros, as mortes são numerosas e banalizadas; o ir e vir não é direito absoluto, tampouco a inviolabilidade do lar. Onde as facções dominam, as mães temem pelo futuro dos seus filhos, imaginando a possibilidade de captação dos jovens pelo mundo do crime.

Cidade Estilhaçada. O estilhaço é um pedaço tosco, produzido a partir de alguma explosão. A metáfora vale para Fortaleza. Ao longo do século XX, a cidade cresceu enormemente, em população e na ocupação horizontal do seu território. Isso aconteceu como uma explosão urbana, fragmentando-a em partes socialmente descontínuas. As mais pobres, invariavelmente, desconectadas das benesses da riqueza produzida na cidade.

Temos restritos setores de prosperidade, qualidade urbanística e de infraestrutura. Em maioria, colecionamos periferias desassistidas das ações públicas e desdenhadas pelas estratégias de mercado.

O mapa social da cidade é um quebra-cabeça com itens mal encaixados e desiguais.

Lamentavelmente, o improviso urbano, o medo e a desigualdade são características atuais de Fortaleza. Não nos alegra essa constatação, absolutamente. Por isso, é papel dos que a amam, e que nela vivem, serem mais críticos do que os maiores críticos. De tal modo, não podemos esperar pela criatividade do MacGyver para resolver nossos problemas e nem esperar que os marqueteiros criem outros bons adjetivos para a Loura desposada do Sol.

Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

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