A participação social e a revisão do Plano Diretor de Fortaleza

Esse documento instrumento básico para o desenvolvimento e expansão urbano e está alicerçado na participação da população e de segmentos coletivos

Legenda: O Plano Diretor é instrumento básico para o desenvolvimento e expansão urbana
Foto: José Leomar

O Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257 de 2001, é categórico: o Plano Diretor é instrumento básico para o desenvolvimento e expansão urbana, é parte integrante do planejamento municipal e, mais destacável, sua elaboração está alicerçada na participação da população e de segmentos coletivos representantes da diversidade social da cidade.

Evidentemente, esses preceitos legais valem para todas as cidades do território brasileiro, incluindo Fortaleza. Após anos de pandemia e atrasos não explicados, neste ano iniciou-se o processo de revisão do plano diretor da capital.

Há muito o que se discutir, todavia, neste texto foco na noção de participação popular e seu impacto na elaboração de tão importante documento urbano.

Sem delongas, anuncio minha tese: mesmo elaborando oficinas de participação, reuniões nos territórios e anotações das demandas das comunidades e dos “cidadãos comuns”; há severas distorções entre o anotado/demandado pela população e o efetivamente aprovado no plenário da Câmara de Vereadores.

E quais seriam as razões? Vamos aos argumentos.

O site oficial do Plano Diretor demonstra dois principais momentos políticos de participação direta: 1) os fóruns para caracterizar a cidade (problemas, potencialidades e conflitos) e 2) a conferência da cidade (discussão e deliberação das propostas).

Entre essas etapas, há duas outras de caráter técnico e político: 1) Elaboração de relatório técnico (diagnóstico) e 2) Análise, discussão e aprovação da lei (Câmara de Vereadores).

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É exatamente durante esse fluxo que a vontade popular (e por assim dizer os principais problemas a serem resolvidos), vai se diluindo enquanto conteúdo explicitamente presente na proposta final a ser aprovada pelos legisladores municipais.

Pela experiência acumulada em outros casos, isso se explica por diversas razões:

  • a) dificuldade do saber técnico (da metodologia de participação) em construir procedimentos didáticos-inclusivos no processo de planejamento participativo;
  • b) permanência do persistente “preconceito técnico” ou da “autossuficiência tecnocrática”, ou seja, a incapacidade dos técnicos em valorizar as demandas comunitárias e dos demais segmentos populares;
  • c) a força política dos grupos econômicos e associações patronais em fazer valer seus interesses e objetivos na produção do espaço urbano.

Os aspectos enumerados fragilizam o efeito da participação popular e filtram interesses sociais, mas não devem se tornar desmotivadores da efetiva participação.

Estrategicamente, é exatamente na última etapa, ou melhor, no momento em que o executivo encaminha o projeto de lei à Câmara de Vereadores que os movimentos sociais (e, inclusive a imprensa) devem estar mais atentos e se opor a qualquer construção político-econômica capaz de perpetuar o quadro de injustiça e desigualdade comuns à paisagem urbana de Fortaleza.

Legenda: A cidade é um produto social, construído coletivamente ao longo do tempo
Foto: Fabiane de Paula

Sem esses cuidados, a participação popular vira peça de ficção. 

A cidade é um produto social, construído coletivamente ao longo do tempo. Não faz sentido que os resultados positivos dessa produção sejam captados por poucos, enquanto os ônus sejam socializados. Isso configura um custo social elevadíssimo.

Em outras palavras, são escandalosos a produção de zoneamento baseados unicamente no econômico-imobiliário e a desregulação (ou a não regulação) de instrumentos urbanísticos capazes de produzir justiça socioespacial na cidade.