Relacionamento abusivos e as violências que suportamos pelas ilusões de sermos desejados

Sinais de estafa mental e estresse pós-traumático podem ser causados pelo desgaste psíquico de uma relação complexa, densa e difícil de se distanciar

Legenda: Não é fácil perceber os sinais, admitir e conseguir se desvencilhar de um relacionamento abusivo
Foto: Pexels

Nos relacionamentos com os outros, projetamos questões inconscientes da nossa história. Para nos constituirmos enquanto sujeito, precisamos existir no desejo do outro e, ao longo do tempo, necessitamos tomar posse daquilo que é desejo nosso. 

Nas marcas dessas relações, enigmas e dúvidas podem se construir enquanto portas abertas a manipulações e controle; pois no início da vida, aqueles a quem amamos e por quem desejamos ser amados nos controlam e detêm poder sobre nós. Dependendo da forma como essas relações forem se desenrolando ou se amarrando em nós cada vez mais complicados entre o eu e o outro, podem reverberar para outras relações ao longo da vida. 

Amor próprio mais rebaixado, inseguranças, desamparos,  carências,  culpas e autoboicotes podem referendar um encontro com manipulações e abusos.

Enquanto sujeitos de fantasias, uma história de vida que misture amor e violência pode confundir o tóxico com o protetivo e amor com a violência.  As relações abusivas independem de inteligência, padrão social ou cultural da vítima. Entretanto, o acesso a determinadas informações, redes de apoio e proteção ou serviços de saúde pode ser decisivo para conseguir sair de uma relação adoecida.

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Não é fácil perceber os sinais, admitir e conseguir se desvencilhar de um relacionamento abusivo.  As manipulações confundem e distorcem e a vítima passa muitas vezes a ser chamada de louca, mentirosa e manipuladora.

O relacionamento com pessoas tóxicas mobiliza o pior de nós e pode fazer com que nos percamos e façamos coisas onde nos desconhecemos ou que sintamos vergonha.

Isso se transforma em mais alimento para o manipulador, que passa a forjar a culpa e a deturpação da imagem que temos de nós como forma de minar nossas seguranças. 

Geralmente, o manipulador oferece o que precisamos; é a forma de capturar o desejo. E ilude com a promessa de que somente consigo será possível obter o que se deseja.

Nesse processo sutil, a pessoa vai sendo sugada nas suas coisas boas, experimentando um apagamento existencial, pois para orbitar em torno do outro, é preciso um rebaixamento da autoestima. 

Algumas das consequências são isolamento, solidão,  sensação de vigilância constante. O que detém o poder geralmente tem acesso a e-mail, é comum instalar programas espiões em redes sociais para monitorar conversas e utilizar segredos para fomentar posteriores ameaças e chantagens. São feitas críticas aos amigos, ao modo de se vestir, à aparência, à idade, ao modo de falar, de ser.

A empatia é ausente e são feitas comparações constantes com outras pessoas, sempre depreciando com palavras ou gestos sutis que vão produzindo aumento nos níveis de estresse e sofrimento.

Pode haver perda de patrimônio, no intuito de ilusoriamente manter perto de si a pessoa que ameaça de abandono e que realiza constantes rejeições afetivas, além de submissão à violência psicológica e/ou física. 

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Quem abusa geralmente possui graves problemas emocionais e, ao querer cuidar das emoções do agressor, a vítima torna-se exposta a uma armadilha emocional ainda mais difícil, porque pode se sentir responsável por "curar" as dores emocionais e, assim, alimentar a fantasia de que o outro finalmente seria quem desejava.

As ilusões narcísicas vão se deteriorando à medida que as fantasias fracassam e a realidade é de dor e vazio. Quanto alguém sai de um relacionamento abusivo, pode ter problemas para dormir, choro fácil, dificuldade de confiar e estar muito perdido dentro de si. São alguns dos sinais de estafa mental e estresse pós-traumático, ocasionado pelo desgaste psíquico de uma relação complexa, densa e difícil de conseguir se distanciar.

Pressionar a pessoa a se separar e tecer críticas ao parceiro geralmente não ajuda, pois alimenta a sensação de vergonha, que pode distanciar mais ainda a procura por ajuda.

Oferecer apoio, ajudando a pensar sobre si, a fortalecer a autoconfiança, resgatar a posse de si, auxiliar na procura por ajuda profissional e manter a rede de apoio podem ser passos importantes para auxiliar nas mudanças.

E lembrar que geralmente, quando estamos muito mal conosco, mesmo sem percebermos, a chance de um manipulador aparecer, pela sede que estamos de ilusões, é bem grande.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.



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