Quando seu Chico circulou pelas redondezas do hoje Parque Rachel de Queiroz há quase dois anos, o pensamento imediato foi um só: o local se tornaria um espaço para investir em algo só dele, para gerar novos frutos. Agora, questionado se o desejo se tornou, então, realidade, ele abre um sorriso para dizer que o primeiro deles, sim, mas continua trabalhando no local em busca de objetivos maiores, como o de manter a renda familiar e garantir a segurança para o futuro. "Daqui retiro meu sustento", diz. 

O nome usado para falar dele neste material pode parecer informal, mas é exatamente como ele é conhecido no local. Chico do Coco, como o chamam os frequentadores do parque, tem 51 anos é um dos 355 permissionários que atuam diariamente no Rachel de Queiroz, conforme levantamento atualizado da Secretaria Municipal da Gestão Regional (Seger) em relação aos moradores de Fortaleza autorizados a trabalharem em parques públicos municipais.

Ouça parte do relato do permissionário:

Ele não é o único no Parque e, segundo o próprio balanço da pasta, está entre os demais permissionários que enxergaram nestes espaços uma forma de empreender, gerando os próprios ganhos e, consequentemente, movimentando a economia da cidade para garantir o próprio sustento.  Ao todo, 484 empreendedores estão oficialmente cadastrados junto à Prefeitura de Fortaleza para atuação nos parques da Cidade, fora os que atuam ainda sem a formalidade.

Esta é a 3ª reportagem da série 'O Parque é Nosso', que explana e discute a importância dos espaços públicos de Fortaleza, com foco nos Parques e Microparques urbanos, compreendendo a importância desses locais no acesso a direitos sociais básicos como lazer, esporte, cultura e até mesmo para a geração de empregos e renda, contribuindo assim para a redução da desigualdade social.

Imagem do Parque Rachel de Queiroz
Legenda: Atualmente, o Parque Rachel de Queiroz abriga 355 permissionários da Prefeitura de Fortaleza, que possuem autorização para empreender no local
Foto: Ismael Soares

"O processo para chegar até aqui foi um pouco difícil porque precisei ter a iniciativa, né? Fui até a Regional para pedir autorização e tudo mais. Eu vi isso aqui ainda no início, ainda era tudo um matagal. Enxerguei tudo e decidi procurar o órgão responsável para saber o que seria aqui, e foi lá que me informaram da construção do parque", conta ele, orgulhoso de ter percebido o potencial do espaço antes mesmo de a informação sobre a construção ter vindo a público. 

Dois anos se passaram de lá até agora, mas Chico tem a mesma alegria nos olhos ao lembrar de como a vida se transformou drasticamente durante esse tempo. "Como me disseram que seria um parque ecológico, pensei imediatamente em trabalhar com o coco e já cheguei aqui direto com meu carrinho, que era bem simples na época, mas mudou com o que consegui por aqui", diz, apontando para o trailer que mantém atualmente, bem mais equipado e com estrutura para receber mais clientes. Esses, inclusive, passaram pelo local incessantemente desde o início da entrevista. Alguns sentaram, apreciaram a fruta e trocaram uma conversa com o dono do empreendimento, enquanto outros foram mais breves, fazendo uma pausa tão esperada durante uma corrida ou caminhada. 

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Legenda: Chico do Coco é um dos permissionários de Fortaleza que atuam no Parque Rachel de Queiroz
Foto: Ismael Soares

"Juntei um dinheiro bom, fiz um empréstimo para complementar e hoje estou com esse trailer aqui, assim, bem feliz, trabalhando. Sempre fui ambulante, mas vi uma oportunidade exatamente aqui, de viver melhor. Foi aí que fiz um investimento de início e, graças a Deus, vem dando certo, sabe. É daqui que retiro meu sustento, pago as minhas contas, que sobrevivo, na luta diária", reforça.

Investimento no empreendedorismo

Se para Chico o espaço tem sido eficiente, outros empreendimentos locais, presentes nos parques e em outras regiões da Cidade, ganharam importância nos últimos anos. Segundo a Prefeitura, as ações de investimento em capacitação e promoção de espaços para o empreendedorismo têm refletido ativamente nos números de geração de empregos de Fortaleza e nos índices econômicos, por exemplo.

Atualmente, a Cidade mantém o maior Produto Interno Bruto (PIB) do Nordeste, de R$ 65,1 bilhões, além da 3ª colocação em geração de empregos do Brasil, algo que a gestão conecta com o incentivo aos investimentos nos negócios dos fortalezenses. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED).

Segundo o secretário municipal do Desenvolvimento Econômico, Rodrigo Nogueira, os empreendedores de Fortaleza são responsáveis pela geração de 7 a cada 10 empregos do Município. Entre janeiro de 2021 e setembro de 2023, ele aponta, a marca de 100 mil novos postos, entre vagas abertas e fechadas, foi alcançada com sucesso. "Entendemos que é crucial focar nessas oportunidades, que é exatamente o que estamos fazendo", inicia. 

E se os empreendedores exercem protagonismo econômico, os programas de capacitação têm sido um dos principais pontos de investimento, conforme o secretário. "Não adianta a gente fazer uma obra, deixar o local bem bacana, e não capacitar quem vai trabalhar por lá, não é mesmo? Então nós temos que investir na estrutura e também na parte humana", confirma, citando programas como Fortaleza + Futuro e Fortaleza Capacita. 

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Legenda: Na galeria, imagens dos parques Lagoa do Mondubim e Rachel de Queiroz
Foto: Thiago Gadelha e Ismael Soares

O segundo citado por ele, realizado em parceria com o Sebrae Ceará, já chegou à marca de 60 mil pessoas capacitadas no município, com cerca de 1 mil a 1,2 mil formadas a cada nova semana, parte delas cadastradas como permissionárias da prefeitura. 

Nossa ideia é que todos os permissionários da Prefeitura de Fortaleza daqui a um tempo estejam qualificados. A gente está tentando, até o final da gestão, capacitar todos eles. Sabemos que não é tarefa fácil, já que muitas vezes eles não têm tempo, são muito ocupados, mas nosso objetivo é alcançar a marca de 70% deles capacitados e estamos conseguindo
Rodrigo Nogueira
Secretário do Desenvolvimento Econômico de Fortaleza

Nesse caminho, o secretário cita a importância do conhecimento como fator determinante para as oportunidades de emprego e renda, que, em consequência, afetam profundamente questões como a desigualdade presente em uma cidade com mais de dois milhões de habitantes como Fortaleza.

"A gente tem percebido que, quando as pessoas fazem o primeiro curso, elas acabam tomando gosto por continuar, abre a elas um novo horizonte de conhecimento, é algo muito emblemático. E tem sido muito valorizado pelo prefeito José Sarto, que nos pede sempre para concedermos oportunidade de conhecimento, de sabedoria a todos e sabemos que grande parte da população demanda isso", pontua.

Como funciona o Fortaleza Capacita?

Sobre como funciona o Fortaleza Capacita, quem explica é Rebeca Alcântara, do Escritório Fortaleza do Sebrae Ceará e gestora do programa. Criado em 2021, ele é realizado em parceria com o intuito de formação e dinamização da economia da Cidade. 

"A ideia era que a gente fizesse atendimento aos pequenos negócios e aos potenciais empresários de forma que a gente estimulasse empreendedorismo e melhorasse a capacidade de gestão desses pequenos negócios, visando contribuir tanto com o desenvolvimento econômico do município como a geração de emprego e renda", esclarece a gestora. 

O objetivo também seria disponibilizar, agora, a abertura de mercado, melhorando a gestão e ainda promovendo a formalização desses trabalhos. Ela reforça que, até hoje, todos os bairros de Fortaleza foram contemplados com as ações do programa. 

Ouça detalhes sobre o Fortaleza Capacita em entrevista com o secretário da SDE:

"Quando a gente trabalha esses espaços como forma de mostrar o produto dessas pessoas, está possibilitando primeiro que eles sejam reconhecidos pela própria comunidade, né? Nesse momento, eles passam a ser reconhecidos como tal, como empreendedores na própria comunidade, além de dar uma visibilidade também para os bairros adjacentes".

Rebeca Alcântara reforça que muitas vezes o que leva a empreender é a necessidade e, por isso, também se deve considerar quais os perfis das pessoas atendidas pelo programa e as oportunidades que se abrem a partir do acesso ao conhecimento.

"A grande maioria dos que empreendem fazem isso por necessidade. Não é por oportunidade. Principalmente esse público que a gente está trabalhando. Eles empreendem pela necessidade de renda ou ficaram desempregados, ou precisam aumentar a renda familiar. Então, eles começam de uma forma muito empírica e o Sebrae, com a SDE, vem para ajudar, seja mostrando para eles a necessidade de fazer um planejamento, de ter um controle de custos, acompanhamento maior dos seus estoques, da distribuição de tarefas, e eles começam a perceber que isso é importante", finaliza. 

Acesso ao espaço para empreender

Na vida de Cristiane Alves, 47, assim como na de seu Chico, tudo começou com o estalo de que o local certo seria o motor para mudar de vida. Tanto foi assim que um simples passeio também pelo Parque Rachel de Queiroz acabou servindo para amadurecer a ideia de aproveitar a Cidade para obter retorno financeiro.

Cristiane no Parque Rachel de Queiroz
Legenda: Cristiane Alves conta que estava desempregada quando resolveu vender milho no parque, e hoje o trabalho é o responsável pelos ganhos financeiros do mês
Foto: Ismael Soares

"Eu vim só passear por aqui, mas percebi a estrutura, gostei de tudo. Eu estava desempregada e aí tive a ideia de vender milho porque percebi que não tinha ninguém vendendo isso por aqui. Nem passava pela minha cabeça de vender nada, viu", nos contou ela em entrevista, durante um fim de tarde, contabilizando cerca de 40 a 50 pessoas atendidas a cada dia.

Assim como na barraca de Chico, os frequentadores não paravam de chegar, crescendo em número com a chegada do anoitecer. Segundo os vendedores do parque, a noite é o período do dia em que as vendas se multiplicam, alavancadas durante o fim de semana e aos feriados.

"Aqui, a minha vida mudou de zero a 10, isso eu consigo dizer. Eu estava sem emprego, não tinha renda e aí, desde então, esse é meu único ganho e tem dado certo. Gosto demais daqui, vejo como um lazer, sabe? Fiz muitos amigos nesse lugar, então para mim acaba sendo um prazer vir todo dia", disse ao risos, justamente enquanto brincava com os colegas vendedores ao lado.

Logo ao lado do carrinho de milho, Aldeíde Ferreira, 46, também surge como outra trabalhadora do parque. Em uma caminhada, já que usava o local como espaço esportivo muito antes de vender, ela decidiu aproveitar a grande quantidade de crianças para conseguir uma segunda renda. Antes, a empreendedora trabalhava como cabeleireira.

permissionária do Parque Rachel de Queiroz
Legenda: Aldeíde Ferreira trabalhava como cabeleireira e decidiu empreender no Parque Rachel de Queiroz para complementar a própria renda
Foto: Ismael Soares

"Eu vinha antes só fazer caminhada, meu filho vinha jogar na areninha, então considero que eu tive uma visão ao pensar em colocar um brinquedo. Trouxe um pula-pula antes mesmo de as luzes dos postes serem completamente colocadas como estão hoje", brincou. 

Para ambas, a segurança do espaço aliadas a questões como estrutura adequada e projetos contínuos no local se somam ao fato de o parque ter se tornado a principal fonte de trazer alimentos para casa, assim como propiciar às famílias uma vida mais digna.

Acesso para redução da desigualdade

E o acesso a ele e a outros parques de Fortaleza é, exatamente, um dos pontos citados por Luciana Lobo, titular da Secretaria Municipal do Urbanismo e Meio Ambiente, a Seuma. Segundo a gestora, os espaços podem ser vistos como influenciadores da redução de desigualdade e acesso a direitos sociais básicos.

"Na hora que a prefeitura entrega espaços públicos qualificados, ela permite que a cidade conviva, independente de classe, de idade, trazendo esse censo de comunidade, algo muito importante no 'fazer cidade'", assegura. Além disso, também complementa: "nosso objetivo é que haja a democratização do espaço público, que haja oportunidade para que as pessoas saiam de casa, convivam entre si, algo tão valorizado após o ápice da pandemia".

 

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Luciana Lobo aproveita para confirmar que o público dos parques atualmente é bastante diverso, indo das classes A a Z e das mais diferentes idades. "Apesar de nem todos terem a mesma feição ou vocação, eles têm um objetivo muito específico e imbatível que gosto de ressaltar", diz de início, apontando que nem todos são vistos como espaço para empreender, por exemplo.

"Mas eles servem como uma forma de aproveitar a Cidade e de se apropriar diretamente desses espaços públicos, seja para gerar renda, para o lazer ou para outras atividades. Traz, sem dúvida nenhuma, um ganho imensurável para todos que habitam", garante, reforçando novamente o "foco na democratização no uso do espaço público".

Para trabalhadores de parques públicos como Aldeíde, o objetivo deve continuar e é visto como uma das soluções para problemas diversos enfrentados por um município tão grande como Fortaleza. "O que espero é continuar vindo, tendo meu emprego. No dia que não venho, sinto falta, não fico feliz. Torço de verdade por iniciativas como estas para que outros possam ter oportunidade de crescer, de mudar de vida, de carreira, assim como eu estou tendo", finaliza, com sorriso no rosto, lembrando que o parque se torna, cada vez mais, um meio para sonhar.