Microparques Urbanos transformam áreas degradadas em novos espaços públicos em Fortaleza
Cerca de um mês e meio se passou desde que o microempreendedor Robson Matos, 28, viu ser instalado a poucos metros de casa, na 1ª etapa do Conjunto Ceará, em Fortaleza, uma área urbanizada com equipamentos naturalizados, capaz de atrair crianças, jovens e adultos a um espaço antes considerado subutilizado.
Entregue em setembro de 2023, o Microparque Aconchego foi o primeiro de um total de 30 novos microparques urbanos prometidos à população pela Prefeitura de Fortaleza até o fim de 2024, com a premissa de transformar áreas degradadas em novos espaços verdes, incentivar experiências e aprendizados ao ar livre, dar mais acesso de estudantes de escolas públicas a espaços com elementos naturais, e até melhorar o clima da Cidade.
Conceito esse que, na avaliação de Robson, promoveu notória transformação para a comunidade por ofertar um espaço de utilização e de lazer seguro, especialmente para as crianças.
Esta é a 1ª reportagem da série "O Parque é Nosso", que explana e discute a importância dos espaços públicos de Fortaleza, com foco nos Parques e Microparques urbanos, compreendendo a importância desses locais no acesso a direitos sociais básicos como lazer, esporte, cultura e até mesmo para a geração de emprego e renda, contribuindo, assim, para a redução da desigualdade social.
“Antes aqui era meio abandonado porque era muito mato. Tinha um campo, porém a gente mesmo que limpava. E com esse espaço as crianças têm mais área para brincar. A galera era muito presa, ou brincava só nas calçadas, nas ruas, com carro e moto passando, e agora não. Toda essa ocupação no parque é algo melhor para todo mundo”, descreve o microempreendedor, que leva frequentemente a filha de dois anos para brincar no local.
Além dos brinquedos naturalizados, a área de 1.440 m², próxima à escola e ao posto de saúde do bairro, conta com academia ao ar livre, campo de areia, piso permeável e projeto paisagístico.
Ainda em 2023, sete novos equipamentos devem ser entregues à Cidade, ficando o restante para o ano seguinte. Ao todo, 22 bairros são contemplados no projeto, sendo a maioria em áreas periféricas da Capital, resultando em benefício para aproximadamente 150 mil pessoas, conforme estimativa da Prefeitura. O investimento foi de cerca de R$ 12 milhões.
Equipamentos pilotos
Embora o equipamento do Conjunto Ceará tenha sido o primeiro a ser entregue decorrente do projeto atual, os protótipos da iniciativa surgiram anos antes. Em novembro de 2020, foi inaugurado o Microparque José Leon, em um terreno no bairro Cidade dos Funcionários. Já em outubro de 2021, o Microparque Seu Zequinha foi entregue aos moradores da Barra do Ceará, também em uma área antes degradada.
De forma geral, segundo descrito pela Secretaria do Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza (Seuma), todos os microparques contemplam tanto elementos tradicionais, que podem ser encontrados em praças já existentes na Cidade, como elementos naturalizados, planejados para atender demandas recreativas e contemplativas.
Em especial, o projeto visa suprir a carência de espaços naturais para a primeira infância, priorizando brinquedos de madeira, texturas de areias, folhas e pedras que colaboram com o desenvolvimento cognitivo.
Participação social
Alguns critérios definiram os locais onde os microparques foram ou serão instalados. Segundo explica a secretária de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza, Luciana Lobo, primeiro é feito um mapeamento de terrenos públicos, com prioridade nos logradouros próximos de escolas municipais de ensino infantil.
Além disso, acrescenta, o projeto é construído junto à população, que indica as necessidades locais, e já nasce com a formação de um conselho gestor.
Um dos objetivos que a gente tem com o microparque é entregar um espaço de brincar naturalizado para as crianças, e ele acaba funcionando na maior parte desses 30 lugares como uma extensão da própria escola
“Esse projeto nasce com uma grande parceria com a comunidade. Antes de ser instalado o microparque, a comunidade é ouvida, para ser compreendido o que ela espera daquele local, qual é a intervenção que eles acham ser mais benéfica para aquela área, e eles ajudam, tanto os adultos, como também as crianças, a compor o projeto. Então, é feito o projeto, o microparque é construído, é entregue, e já nasce com um conselho gestor, que é de moradores ali ao redor daquele microparque e que vão ajudar na manutenção e na fiscalização do uso”, disse.
Outro ponto considerado, acrescenta a secretária, é beneficiar regiões com menos áreas de lazer disponíveis as comunidades.
Redescobrimento de áreas públicas
Entre os benefícios apontados nas unidades já existentes, Luciana Lobo destaca o senso de pertencimento da comunidade local com o espaço, sentimento que deve se estender para todos os novos equipamentos. “Isso é fácil de acontecer porque o microparque nasce de um projeto comunitário, nasce atendendo a demandas que a população tem para aquela área. Temos uma expectativa que haja um redescobrimento de áreas públicas na Cidade por meio desses microparques”, destaca.
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O sentimento de redescoberta também foi citado pela costureira Adriana Santos, 54, que passou a fazer caminhadas diárias no Microparque Seu Zequinha, na avenida Francisco Sá, desde a implantação, há dois anos.
Antes da intervenção, o terreno baldio com mais de 6 mil m² e cortado por um córrego, era utilizado indevidamente para descarte de lixo. Agora, recebeu pavimentação, bancos e mesas em concreto, academia ao ar livre, quadra de areia, rampas acessíveis, parque com elementos naturalizados e berços para as árvores.
“Aqui era muito apagado. Depois que fizeram a obra deu outra vida ao local. Agora faço minhas caminhadas aqui porque acho melhor. Antes só tinha o rio, e nenhuma opção pra fazer atividades. Tem gente que fica brincando de vôlei, então atraiu mais pessoas para cá, melhorando demais esse lugar”, disse Adriana.
Do outro lado da Cidade, o microparque José Leon, na Cidade dos Funcionários, virou endereço frequente do educador físico Caribê Julião, 39, que leva o filho de três anos para brincar no espaço. E é nos brinquedos de madeira que o pequeno Luca, 2, mais se diverte, com a oportunidade de construir experiências ao ar livre e com elementos naturais. “Sempre que eu posso dou um pulo aqui para tirar ele das telas — que já é ruim para nós imagina para a cabeça de uma criança”, pondera Caribê.
O educador físico chama atenção, no entanto, para a consciência coletiva de manutenção do espaço, que atualmente está com um dos brinquedos avariados. “Precisa ter uma atenção do poder público e de quem está usando também. Eu sei que os moradores ajudam com a limpeza”, cita.
Acreditando nessa premissa de manutenção local, o vigia Cosmo Mendes, 60, disse que passou a cuidar do espaço com alguns moradores mais próximos do José Leon. Entre as atividades, colabora com a varrição e com o manejo do lixo. Ele cita, no entanto, que a casa de máquinas instalada no microparque foi vandalizada e o motor que fornece água para a rega das plantas foi roubado.
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A titular da Seuma destaca que o papel da população em relação aos microparques é de cogestão. “Os moradores ali ao redor daquele microparque vão ajudar na manutenção e na fiscalização do uso. Eles não vão ter nenhum gasto, o gasto é da Prefeitura. Eles vão nos ajudar, nos avisando quando precisam de algum reparo, alguma situação específica. E além disso a comunidade escolhe uma pessoa para ser a guardiã ou o guardião do espaço”, disse Luciana Lobo.
Ela explica, ainda, que os dois primeiros microparques, o José Leon e o Seu Zequinha, estão sobre os cuidados de suas respectivas secretarias regionais, devendo os pedidos de reparos pontuais serem enviados às referidas pastas. Já o Aconchego e os próximos 29 equipamentos prometidos à Cidade estão sob a administração da Seuma.
Sobre a demanda citada no Microparque José Leon, a secretária garantiu que entrará em contato com a Regional responsável pela Cidade dos Funcionários para promover os reparos pontuais o mais breve possível.
Pontos estratégicos de convivência e qualidade do tecido urbano
Para uma cidade carente de espaços públicos de qualidade, o projeto dos Microparques Urbanos aparece como uma “iniciativa louvável” do ponto de vista urbanístico e social, na avaliação do professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro da Rede Observatório das Metrópoles, Alexandre de Queiroz.
“A criação dessas unidades é, sim, muito importante em áreas aonde você tem uma baixa densidade de espaços como estes. Então, você criar ambientes que conciliem o espaço coletivo com a própria qualidade ambiental, com maior arborização, em correlação com recursos hídricos, córregos ou lagoas, você tem uma conjugação muito interessante, porque o espaço público ele é uma arena da convivência, das trocas, da alegria da fluição, do lazer, do alívio das pressões cotidianas. Então, isso tem um impacto social do convívio”, analisa.
Urbanisticamente é relevante porque dá qualidade ao entorno dos domicílios sem necessariamente fazer uso da lógica da privatização dos espaços, da privatização da forma de condomínios, da forma de outras representações imobiliárias, ou seja, dota a cidade, dota o tecido urbano de pontos estratégicos de convivência e de confluência de fluxos e de qualidade do tecido urbano
Contudo, uma vez criados os microparques, o geógrafo aponta a necessidade de os equipamentos se tornarem uma política de estado, para que haja a manutenção mesmo com o passar das gestões.
“Uma política contínua de manutenção tem que ser pensada pelo poder gestor, no caso a municipalidade. Ele [microparque] não pode ser o estandarte de uma gestão e depois disso ser abandonado. Isso talvez tenha que ser estabelecido com maior atenção pela sociedade civil, porque do contrário vira uma política interessante, mas que ao longo prazo pode não estar inserido no orçamento e no plano geral de manejo de manutenção, de redefinição. Porque todo espaço público que é usado, que sofre desgaste, ele precisa de recursos para uma constante requalificação, melhoria e adaptação”, afirma.
Conexão com demais espaços públicos
E para além da manutenção dos espaços, o especialista avalia como determinante para uma expansão dos benefícios sociais, urbanos e até ambientais, pensar nos microparques de forma conectada a outros espaços públicos já existentes na Cidade, como outros parques, lagoas, areninhas, calçadões e com as praças tradicionais.
“Nenhum desses espaços públicos vai dar conta de toda a diversidade dos interesses, pelo contrário, é bom que haja uma diversidade para que haja uma fluição das populações, dos jovens, dos idosos, e que seja frequentado por um e por outro. Não é necessariamente pensar que o microparque vai dar conta de tudo, mas como ele pode estar integrado com outros espaços públicos”, ressalta Alexandre Queiroz.
Reconhecimento
A iniciativa implantada em Fortaleza já teve reconhecimento mundo afora. Em 2022, o projeto Microparques Urbanos venceu o prêmio internacional AIPH World Green City Awards. Intitulado "Transforming degraded land into Urban Micro Parks" (Transformando Áreas Degradadas em Microparques Urbanos, em tradução livre), o projeto ficou em primeiro lugar na categoria "Living Green for Health and Wellbeing".
Já neste ano, ficou em 3º lugar no Seoul Design Award for Sustainable Daily Life – 2023, estando no ranking dos melhores projetos sustentáveis do mundo.