Para além do uso das caminhadas ou pedaladas matinais, os parques urbanos de Fortaleza agregam novos perfis de público com os diferentes atrativos criados pelas comunidades. Entre os fortalezenses, é fato que as recentes obras de revitalização deram uma nova imagem para alguns bairros mais distantes do Centro e de áreas consideradas como nobres da Capital — reduzindo a desigualdade na cidade.  

Grupos de dança, encontros religiosos, festas de aniversários ou mesmo para comer aquele típico pratinho cearense, os parques ganharam novos frequentadores por uma demanda de lazer antiga dos bairros. Além do típico público de pais com os filhos e a terceira idade, passaram a visitar os logradouros os que não gostavam de sair de casa, os que reclamavam do déficit de estrutura dos equipamentos e até mesmo os que não sentiam segurança causada pela falta de iluminação pública. 

Conheça os Parques Urbanos municipais:

Esta é a 2ª reportagem da série "O Parque é Nosso", que explana e discute a importância dos espaços públicos de Fortaleza, com foco nos Parques e Microparques urbanos, compreendendo a importância desses locais no acesso a direitos sociais básicos como lazer, esporte, cultura e até mesmo para a geração de emprego e renda, contribuindo, assim, para a redução da desigualdade social.

Ponto de encontro de diferentes gerações, o Parque Rachel de Queiroz — tendo a primeira etapa requalificada entregue pelo poder público em fevereiro do ano passado — se tornou um dos principais roteiros dos fins de semana do fortalezense. O grande número de trailers de comidas, além das opções de lazer, são atrativos para reservar a tarde para uma caminhada no bairro Presidente Kennedy. 

Por conta dos atrativos, jovens de outras regionais se deslocam ao ambiente revitalizado. Do bairro Messejana, o coreografo Vitorio Ribeiro, 20, é um dos atraídos pela beleza do paisagismo do Parque para gravar vídeos com um grupo de dança.

Brega funk na prática:

Semanalmente, ele vai acompanhado dos amigos de diferentes bairros de Fortaleza ao logradouro com objetivo de produzir conteúdo voltado ao gênero brega funk, som que surgiu em 2011 na capital pernambucana. 

O ritmo levado pelos jovens é cercado de preconceitos por ser um som que surgiu na periferia. Em meio aos diferentes perfis sociais, os jovens tentam quebrar a barreira da indiferença mostrando que o quê eles fazem também é arte. 

Grupos de dança usam pequenas caixas de som para dançar nos equipamentos públicos como no Parque Rachel de Queiroz
Legenda: Grupos de dança usam pequenas caixas de som para dançar nos equipamentos públicos como no Parque Rachel de Queiroz
Foto: Ismael Soares/SVM

Geralmente a gente ensaia e grava nas praças nos bairros onde um maior número de pessoas do nosso grupo mora, mas o Parque Rachel de Queiroz é um dos principais locais pelos cenários que temos. Hoje em dia seria difícil ter um espaço fixo para dançar, um local fechado tem custos. O Parque é de graça
Vitorio Ribeiro
Coreografo

Tai chi chuan atrai e muda imagem do bairro Mondubim

Na Regional 10, o Parque Urbano da Lagoa do Mondubim é um retrato de como é possível dar vida a uma área que antes era conhecida apenas pelos impactos da violência. Antônia Valadão, 41, conta que antes da requalificação — em agosto deste ano — era comum ver o olhar de desprezo de moradores de outros bairros aos que ali vivem.

Com as intervenções do poder público, o sentimento dos moradores de pertencimento ao bairro foi retomado. Ao mesmo tempo, o local se tornou atrativo para práticas esportivas e culturais. A área verde do Parque Urbano da Lagoa do Mondubim, por exemplo, se tornou um espaço de "terapia" por meio da prática chinesa do tai chi chuan. Um detalhe, a atividade é ofertada de forma gratuita por uma associação de moradores.

Prática milenar como terapia ao ar livre:

Nilson Ferreira, 56, professor de artes marciais, atua em diferentes praças da cidade desde 2017. Após passar pelo Parque Urbano da Lagoa do Mondubim e ver a requalificação, se sentiu motivado a levar o trabalho aos moradores da região. Ele conta que em áreas nobres de Fortaleza, o custo de atividades como o tai chi chuan e o box chinês podem variar de R$250 a R$350.

"Muitos não têm condição de pagar uma academia. Aqui damos essa oportunidade a quem não tem condição financeira gerando um sentimento de igualdade", ressaltou o Ferreira. 

A professora de tai chi chuan Francijane Nascimento, 66, destaca ainda que o impacto das aulas semanais é relatado também pelos alunos com a redução de idas aos postos de saúde do bairro. "Você trabalha articulações, coração, joelho. A cultura chinesa diz que nós adoecemos por conta de energia estagnada. Os movimentos do tai chi chuan, assim como de outras práticas, fazem o desbloqueio dessa energia".

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Legenda: Reforma do Parque Urbano da Lagoa do Mondubim incentivou público a ocupar equipamento
Foto: Thiago Gadelha/SVM

Incentivo à ocupação 

  1. Os interessados em realizar atividades culturais ou esportivas em espaços públicos, assim como empreendedores que desejem comercializar nos parques municipais, devem buscar a Secretaria Executiva Regional para efetuar o devido cadastro;
     
  2. Para realizar atividades físicas ou culturais, as Regionais emitem uma autorização de uso do espaço público. Para isso, basta que as pessoas interessadas procurem essas secretarias, preencham o requerimento e apresentem a documentação solicitada. Essa documentação pode variar conforme a atividade que está sendo proposta. Caso a atividade inclua uso de som, a autorização da Regional é vinculada à da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma);
     
  3. A Secretaria Municipal do Esporte e Lazer (Secel) mantém atividades em todas as Regionais por meio dos projetos Atleta Cidadão, Atleta Cidadão Lutas, Esporte Sem Limites, Areninhas e também temos o Esporte e Lazer no Meu Bairro que proporciona uma tarde de atividades e serviços gratuitos para a comunidade a cada dois meses em um bairro diferente;
     
  4. O Projeto Giro Cultural, realizado pela Secretaria Municipal da Cultura (Secultfor), promove apresentações semanais em diversos parques e praças da cidade. A programação passa também por espaços como Mercados dos Pinhões, Centro Cultural Belchior e terminais de ônibus. Há, ainda, edições de música na Beira Mar e Barra do Ceará, contemplando moradores e turistas.

Segurança e ordenamento social ainda são pontos cruciais 

Juventude ainda é principal perfil presente nos Parques Urbanos de Fortaleza
Legenda: Juventude ainda é principal perfil presente nos Parques Urbanos de Fortaleza
Foto: Ismael Soares/SVM

Um dos temas recorrentes para a utilização dos parques urbanos é a segurança. Usar o celular em ambiente ao ar livre ou mesmo onde estacionar de forma segura são quesitos para ir ou deixar de ir ao ambiente público. 

Conforme explica a secretária de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza, Luciana Lobo, as ações de incentivo à ocupação ainda são as principais iniciativas em prol de criar um espaço seguro: "Nós fazemos frequentemente atividades de educação ambiental. As regionais acompanham o dia a dia de cada Parque. Eles alcançam a população como um todo, público de A a Z". Ainda segundo a gestora, de forma mais ativa, existe a presença de guardas municipais nos logradouros, além de comunicação direta com os órgãos de segurança do Governo do Estado.

Tem um urbanista que ele faz uma leitura muito bonita sobre ocupação. Ele fala que uma das coisas mais importantes que uma cidade pode ter é a convivência. Que a cidade não tenha guetos, que ela não tenha espaços que sejam reservados para determinadas classes sociais. Na hora que a prefeitura entrega espaços públicos qualificados ela permite que a cidade conviva independente de classe social, independente de idade. Esse senso de comunidade é importante do fazer cidade. Nós compreendemos muito firmemente que a entrega desses espaços públicos proporcionam isso
Luciana Lobo 
Secretária de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza

Anna Lúcia dos Santos Vieira e Silva, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (UFC) — doutora em Espaços Públicos e Regeneração Urbana — diz reconhecer que os fortalezenses estão ocupando mais os parques municipais nos últimos anos, mas que ainda exigem melhorias.

"Existe uma apropriação pública no cotidiano das pessoas. Alguns desses ambientes abrigam centros que condensam as áreas verdes da cidade, agregam a possiblidade de encontros coletivos, mas por outro lado existe uma certa falta de iluminação e cuidado público que ainda precisam ser olhados, como nas áreas das lagoas", explica a professora.

No Parque Rachel de Queiroz, o maior fluxo de visitantes é de 15h às 21h
Legenda: No Parque Rachel de Queiroz, o maior fluxo de visitantes é de 15h às 21h
Foto: Ismael Soares/SVM

Como solução, a docente aponta que é necessário, dependendo da região, de projetos paisagísticos pensados com iluminação em diferentes alturas e intensidades. "Uma intenção de uso por um cuidado desse espaço. Vejo uma necessidade de um investimento paisagístico desses lugares para as pessoas se sentirem pertencentes. E com isso fazer uma apropriação mais constante e mais abrangente", explicou a professora Anna Lúcia.  

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Outro destaque dado por Anna Lúcia é sobre ouvir as demandas da população. São os moradores dos bairros que frequentam e sabem os detalhes das praças, calçadas e demais equipamentos públicos. "É importante que as pessoas tenham voz, sejam escutadas. Elas precisam ser consultadas e ouvidas, além de ter atividades criadas que elas possam ser envolvidas".

Sobre ordenamento, a estudiosa aponta que é importante existir algumas regras sociais. Um exemplo prático é quando temos o equipamento de som de grupos religiosos em embate ao som de caixas de som dos grupos de dança. "É importante ter algum tipo de ordem, não algo imposto, autoritário, mas que favoreça o convívio nos próprios espaços. Existe uma questão física e uma questão de uso. É preciso se olhar para os fluxos e os fixos. O fixos são as coisas construídas e instaladas, os fluxos são as pessoas que vão em horários diferentes e usam aquele espaço para necessidades diferentes".  

Por fim, a professora aponta que a introdução de sinalização, além da construção de equipamentos lúdicos, podem colaborar para um ambiente mais igualitário e saudável.