Editorial: Futuro ameaçado

Dizer que os jovens são o futuro de um país, por mais desgastante que seja a ideia, não pode ser tomado por um clichê, esvaziado de significado. Sucedem-se as gerações e, com elas, a força produtiva de uma sociedade. Quando negligencia as necessidades e potencialidades dos segmentos mais jovens, o estado deixa de fazer um investimento seguro e, certamente, precisará arcar com as consequências dessa escolha.

É imperativo ir além dos discursos carregados de boas intenções, mas carentes de ações concretas. O Ceará, para passarmos de um exemplo abstrato para um caso concreto, demanda medidas capazes de transformar quadros presentes e, com isso, projetar um futuro mais saudável, não só para os jovens de hoje, mas para toda a sociedade. Não é razoável que se aceite, para um Estado com o potencial de crescimento do Ceará, que crianças e adolescentes cearenses sejam obrigados a viver privadas de serviços básicos, garantidos pela Constituição.

Os números não podem ser ignorados: sete em cada 10 crianças ou adolescentes do Estado já passaram carência do que lhes é essencial, como educação, moradia, água e saneamento. Na lista do que falta a esse segmento entregue à precariedade, figuram a ausência de informação (quando não foi possível acessar a internet, por qualquer que seja o dispositivo nos últimos três meses) e a vulnerabilidade ao trabalho infantil. O dado consta no relatório da pesquisa “Bem-estar e Privações Múltiplas na Infância e na Adolescência no Brasil”, elaborada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

O caso pode ser ainda mais grave. Afinal, o levantamento partiu dos números constantes na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2015. Trata-se do ano considerado o primeiro da grave crise econômica da qual o País tenta sair e que, dada sua magnitude, concentrou as atenções nos debates eleitorais do ano passado. Nos últimos quatro anos, alguns índices pioraram em todo o País, caso do déficit de moradias.

O Ceará dispõe, além desta, de outra pesquisa recente, que traz informações sobre a realidade social dos jovens que vivem no Estado. “Eles dizem não ao não – Um estudo sobre a geração N” foi coordenada pela socióloga Glória Diógenes, e encomendada pelo Instituto Dragão do Mar, organização social ligada ao Estado, ao Laboratório das Artes e das Juventudes (Lajus), da Universidade Federal do Ceará.

A geração N, ou “nem-nem-nem”, é formada por jovens nascidos entre 1990 e 2002, de baixa renda, residentes nas periferias de grandes e médias cidades, que estão sem estudar, sem trabalhar e sem procurar uma ocupação, seja educacional ou profissional. Das informações coligidas, os autores esperam que elas contribuam para se “elaborar caminhos para novas políticas públicas capazes de retirá-los do limbo social e cultural em que se encontram”.

Chama atenção um achado da pesquisa: o descompasso, de valores e ideias, entre a geração N e o que a sociedade projeta para ela. O desentendimento entre as partes é índice da incomunicação e da falta de diálogo com o segmento. É um lembrete que o poder público precisa fazer mais pelos jovens, e estar mais próximo deles, sob o risco de não obter os resultados necessários – nem para o presente, nem para o futuro. 


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