Médica e pesquisadora Adriana Costa e Forti é homenageada com o Troféu Sereia de Ouro 2025
Desde pequena, Adriana Costa e Forti já tinha a certeza de que queria ser médica. Não havia na família direta ninguém da área que pudesse ter influenciado a vontade da menina para seguir tal caminho, mas havia, sim, algo ainda maior: um sonho compartilhado.
A concretização foi possível com o apoio irrestrito da família da hoje médica e pesquisadora, seja na forma de valores repassados pelos pais e que norteiam a lida profissional de Adriana, como comprometimento e humanidade, seja pelas ações tomadas em prol do projeto de futuro.
A artista da tapeçaria Guiomar Marinho, o empresário Oto de Sá Cavalcante e o empresário e político Tasso Jereissati também recebem a comenda do Grupo Edson Queiroz (GEQ), na sexta-feira (26), no Ideal Clube
Até chegar ao patamar alcançado — de profissional reconhecida por legados como a fundação do Centro Integrado de Diabetes e Hipertensão da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, a formação de profissionais da área e o pioneirismo ao ser a primeira mulher a ocupar diferentes espaços em um universo masculino —, o caminho foi de diferentes desafios superados e conquistas celebradas.
Apoio da família como fundamento
Primogênita de Manassés Moreira da Costa e lêda Menezes Costa, Adriana nasceu em 25 de abril de 1948 em Mossoró, no Rio Grande do Norte. Com os irmãos Sandra, Viviana e Luiz Sérgio, foi criada em um contexto que valorizava a educação.
“Minha mãe sempre foi muito ‘pra frente’, digamos assim, queria sempre que os filhos estudassem muito. Meu pai não era formado e era louco para ter um filho médico. Peguei deles essa vontade. Me lembro que eu era pequenininha e queria ser médica”, situa.
“O apoio da família é fundamental. Se não tiver, você não tem confiança para os desafios que vão aparecendo. Você se coloca na vida, no mundo, mas sabe que tem uma retaguarda. Se precisar, tem alguém que está tomando conta, embora deixando você viver e evoluir na sua vida. Meus pais fizeram dessa maneira comigo”
Tal investimento era um entendimento primário para os pais de Adriana. Manassés e Iêda compreenderam logo, por exemplo, que a filha teria que se mudar para uma capital para seguir os estudos no antigo científico, equivalente ao ensino médio atual.
A finalidade era buscar a melhor formação que possibilitasse o encaminhamento para a área da saúde. A escolha, tomada com a orientação dos pais, foi por Fortaleza, que tinha boas escolas preparatórias e uma Faculdade de Medicina reconhecida.
Ainda na adolescência, em 1963, ela efetivou a mudança para a capital cearense e, por aqui, fincou raízes pessoais e profissionais. “Vim para cá para ficar interna num colégio de freira. Não tinha familiar aqui, então meus pais me colocaram interna no Juvenal de Carvalho”, rememora. Do alto dos 14 para os 15 anos, Adriana enfrentou a distância da família e de amigos para seguir em busca do sonho.
Acolhimento da “família cearense”
A ausência de familiares na capital cearense foi, felizmente, logo suprida. Isso porque, na escola, ela conheceu e se aproximou de Lúcia Alcântara, aluna externa de quem virou amiga-irmã e com quem passou a trilhar em conjunto o caminho até a medicina.
“A Lúcia disse assim: ‘Adriana, a gente vai ter que estudar muito forte até o vestibular, por que você não fica lá em casa esse mês de novembro para a gente ficar estudando?’. Fui para lá passar um mês e passei cinco anos”
No último ano do científico, em geral, estudantes que desejavam a área faziam, em paralelo, um cursinho que ocorria justamente na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Como Adriana era interna no colégio, os pais tiveram que pedir à congregação religiosa na Itália permissão para que ela fosse liberada para as aulas.
A experiência do cursinho reforçou os laços entre ela e Lúcia, a ponto da amiga convidá-la para se hospedar em sua casa quando as aulas do científico terminaram e o vestibular se aproximava.
Assim, Adriana ganhou uma “família cearense”, passando a também ser apoiada pelos pais de Lúcia, o médico e político Waldemar Alcântara e a senhora Maria Dolores de Alcântara.
As amigas hoje compartilham também o reconhecimento da trajetória profissional por meio do Sereia de Ouro. Lúcia Alcântara recebeu a honraria em 2015.
Pioneirismo e reconhecimentos
Como fruto dos esforços e apoios adquiridos no caminho, Adriana obteve êxito e ingressou na Faculdade de Medicina em 1966. Durante a graduação, se encantou rapidamente pela área da endocrinologia. “Achei uma coisa muito dinâmica, funcional, bonita. Hormônio é algo que é liberado e vai atuar à distância, modifica”, descreve, entusiasmada.
O encanto virou envolvimento e a então estudante passou a se debruçar ainda mais na área, se direcionando em especial para uma atuação ligada ao diabetes, já nos anos 1970.
Experiências como a residência médica no Instituto de Diabetes e Endocrinologia (RJ), com o professor Francisco Arduíno, e o mestrado em Endocrinologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que teve orientação do médico e cientista cearense Manassés Fonteles, se somaram na trajetória de Adriana.
Em cada processo formativo, Adriana buscava explorar temas atuais, ligados às principais descobertas da época — característica essa que reflete tanto ensinamentos da infância, quanto segue marcando o compromisso da médica e pesquisadora com o trabalho.
“Minha mãe sempre falava muito: tem que ser competente, estudar, tem que ser técnico. É comprometimento”, sustenta. Se Adriana é convidada hoje para ministrar alguma formação, por exemplo, a preparação anterior é sagrada.
“Vou ministrar uma aula, aí meus filhos dizem assim: ‘Mamãe, vamos almoçar fora. A senhora não já sabe dar esse conteúdo?’. Respondo: ‘Não, não sei. Tem coisa nova’”, exemplifica.
“É preciso estar sempre querendo se atualizar, crescer e saber que não sabe tudo. Para melhorar a função como profissional, você tem que estar na melhor condição possível. Isso eu recebi dos meus pais desde pequena”, credita.
Para o mestrado, obtido em 1978, focou em estudos sobre o receptor vascular renal em coelhos diabéticos. Na defesa do trabalho, chamou atenção do professor Emilio Mattar, da Universidade de São Paulo, que compôs a banca examinadora e era presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia à época.
“Quando terminou, (ele disse): “doutora Adriana, nunca teve um congresso em Fortaleza de endocrinologia. A senhora não quer fazer um?’. Respondi: ‘Não quero, eu vou’. Essa chance eu não perderia, era muito grande para todo mundo, para todo o Nordeste”, ressalta.
Foi, assim, a primeira mulher a presidir uma edição do congresso da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Em paralelo, foi eleita presidente da entidade, de novo sendo a primeira mulher a ocupar a função. “Uma nordestina, de Mossoró”, ressalta. Até hoje, segue como a única presidente a ser reeleita para um segundo mandato seguido.
Legados para a saúde pública no Ceará e no Brasil
Ao lado do caminho acadêmico, Adriana destaca outro relevante legado da trajetória profissional pelo impacto positivo direto que teve, e segue tendo, para o Ceará, os cearenses, o Brasil e os brasileiros: a atuação em saúde pública voltada ao diabetes.
Em 1988, durante o governo Tasso Jereissati, Adriana fundou o Centro Integrado de Diabetes e Hipertensão (CIDH), ligado à Secretaria da Saúde do Ceará. Coordenado por ela por décadas, o espaço é descrito pela fundadora como “uma referência, um local de assistência, de educação para paciente, de capacitação e de pesquisa”.
“Não é só fazer uma prescrição de remédio. A gente chama isso inclusive de inércia do profissional. Se a pessoa tem uma doença crônica como diabetes e não aprendeu que é para o resto da vida, que não dá pra suspender o remédio, a prescrição não serviu”, exemplifica.
Para além do local em si, a médica destaca o projeto de cuidado com diabetes e hipertensão organizado a partir da iniciativa. “A gente fez muitas pesquisas lá e todas serviram para incentivar o trabalho em saúde pública aqui no estado e no Brasil”, aponta.
Profissionais de todo o Ceará foram capacitados no escopo do CIDH para melhor atender pacientes hipertensos e diabéticos. O trato humanizado, destaca Adriana, é diferencial para a compreensão deles das próprias condições e tratamentos.
Pelos legados relevantes na área de atenção ao diabetes e à hipertensão na saúde pública, o CIDH virou modelo nacional, inspirando a criação de experiências similares em outros estados do País, e ainda teve papel central na criação do Plano de Reorganização das Ações em Diabetes e Hipertensão do Brasil, junto ao Ministério da Saúde.
“Instrumento de Deus” em prol da coletividade
Entre as memórias partilhadas sobre as conquistas e legados, a médica mantém sempre evidenciada a modéstia em relação a eles. Reconhece, acima de tudo, ser agente de um coletivo.
“Eu me sinto um instrumento de Deus, para começo de conversa. A gente só faz em grupo. Tudo que eu consegui fazer foi formando uma equipe e pensando que era na função de levar ao outro — aquele que você acolhe, cuida — o melhor”, assegura.
Adriana ressalta a coletividade necessária para a própria trajetória ao nomear professores e outras figuras que ajudaram a guiar os processos formativos dela ao longo das décadas como professora, pesquisadora e gestora.
“Meus filhos saíam do colégio e iam para a casa da minha mãe, passavam a tarde lá com a minha família. O pai deles também deu muito apoio. Ele tinha uma especialidade mais tranquila, fez medicina nuclear, então era diferente. Eles apoiaram muito na educação”
Todas essas facetas foram possíveis, por sua vez, a partir de um elemento já citado por Adriana e que se revelou fortalecido na vida adulta: o apoio da família.
Mãe de Cássio e Márcio, ela conseguiu conciliar as atividades profissionais com a maternidade, credita, por conta da presença de figuras como o pai dos dois, o também médico Cesar Augusto de Lima e Forti (1945-2024), e ainda os pais, as irmãs e o irmão.
Mesmo com pai e mãe médicos, Cássio e Márcio não seguiram o caminho dos genitores na medicina. Avó de Giovana, João Lucas e Maria Luiza, Adriana tem na nova geração, porém, um potencial seguidor: o menino diz querer ser cirurgião por se mirar no exemplo dela.
Amor pela música
Ao passo que a pequena Adriana, ainda na primeira infância, já afirmava que seria médica, outra área também ganhava a atenção, o comprometimento e o afeto da menina em Mossoró.
Aos 7 anos, também por impacto dos pais, ela começou a tomar aulas de piano no colégio onde estudava. As aulas do instrumento se seguiram na rotina de Adriana até os 14 anos, pouco antes de ela se mudar para Fortaleza.
Ainda na infância, inclusive, tinha a reconhecida pianista carioca Carolina Cardoso de Menezes (1913-2000) como principal referência na música. A admiração era tamanha que chegou a avisar: “Papai, acho que não quero mais ser médica, eu quero ser pianista”.
“Mas aí a vontade da medicina foi continuando, continuando, e realmente me decidi. Ave Maria, eu sou superfeliz, não poderia ter escolhido melhor”, garante. Ainda que tenha, ao se mudar para a capital cearense, passado a se dedicar totalmente aos estudos preparatórios para a área da saúde, não deixou a música de lado.
“Uma vez a gente estava na Dinamarca, todo mundo bem quieto. Vi um pianinho e fui lá, comecei a tocar ‘Aquarela do Brasil’. Os brasileiros se juntaram para cantar. Depois vieram os argentinos: ‘A senhora não pode tocar um tango para a gente cantar?’ (risos)”
Com os conhecimentos de piano que tinha acumulado, seguiu “estudando de ouvido” e tocando o instrumento em festas, eventos e até congressos de medicina.
Além do piano, também gosta de soltar a voz, inclusive em cerimônias de anos anteriores do Troféu Sereia de Ouro. “Me meti a cantar também. Não me incomodava, não tinha vergonha. Hoje eu ainda gosto. Se tiver uma festinha com um microfone… Cantei muito nos Sereias. Cantava com a Myra (Eliane, 1947-2006), filha do Edson que era uma cantora fantástica, com a Lenise (Queiroz)”, rememora.
Sereia de Ouro
Antes de saber que seria agraciada com o Troféu Sereia de Ouro em 2025, Adriana foi uma das homenageadas da edição especial do prêmio realizada na pandemia, em 2020. Na ocasião, 50 personalidades cearenses receberam menções honrosas pelas atuações de destaque no Estado.
“É algo muito prestigiado pela sociedade. Os sereiados são todos realmente pessoas que contribuíram para ela crescer e melhorar”, atesta. “É uma festa fantástica. Procuro não faltar, me sinto muito bem de parabenizar todos que são sereiados. Tem muitos médicos da Academia Cearense de Medicina que são”, ressalta.
“Já me senti sereiada, achava que não receberia mais (o troféu) Sereia, não estava nem esperando. (A homenagem de 2020) já foi uma surpresa grande”, rememora. O recebimento oficial do prêmio, agora em 2025, é “muito honrado” para a médica.
Uma das integrantes da academia que já recebeu o troféu, inclusive, foi a amiga Lúcia Alcântara, na edição de 2015. A “família cearense” de Adriana conta, ainda, com outros dois homenageados: o pai Waldemar Alcântara (em 1975) e o irmão Lúcio Alcântara (em 1997).
Os sentimentos de coletividade e modéstia são reforçados por Adriana. “Tem muita gente melhor do que eu pra estar recebendo ainda o troféu, juro por Deus, mas os ‘parabéns’ que eu dava, agora vou receber”, ri a homenageada.
A comenda
Criado em 1971 pelo chanceler Edson Queiroz e por dona Yolanda Queiroz, o Troféu Sereia de Ouro é uma das mais tradicionais comendas do Ceará. Homenageia personalidades que se destacaram em diferentes setores de atuação, contribuindo para o desenvolvimento do Estado.
É concedido bienalmente pelo Grupo Edson Queiroz em solenidade realizada realizada na próxima sexta-feira (26), no Ideal Clube, com transmissão ao vivo pela TV Diário a partir das 20h.
A honraria já foi entregue a centenas de nomes, brilhantes em atividades públicas e privadas, e que seguem inspirando gerações.