O pós-parto é um período de grande sobrecarga à nutriz (mãe), tendo em vista as múltiplas adaptações pelas quais deve passar para atingir a maternidade em sua inteireza, sintetizando as gratificações que dela emanam e também as limitações impostas pela condição peculiar de ser mãe. Algumas mulheres não transicionam de forma suave entre esses dois mundos: o ser mãe ainda na concepção inicial dos pensamentos e fantasias enquanto gestantes e o mundo real, o do doloroso júbilo do pós-parto.
Dado o exposto, estima-se que as taxas de depressão pós-parto são bastante contundentes, girando entre 15 a 20%, e configuram, portanto, um problema de saúde pública. Se considerado o período perinatal como um todo, o qual engloba a gestação e até um ano após o parto, um estudo recente de revisão demonstrou que 11,9% das mulheres sofrem de depressão.
Neste contexto, evidencia-se uma patologia extremamente prevalente e que traz sofrimento à mulher a partir destas várias matizes de sintomas: sentimentos prolongados de entristecimento; diminuição do prazer; ideias de culpa; sensação de incapacidade quanto à maternagem; pessimismo e – em casos mais graves – ideias de morte ou suicídio.
Também são extremamente comuns na depressão perinatal o surgimento de sintomas de ansiedade diversos, a saber: preocupações excessivas com a gestação e o bebê, incapacidade de relaxar, taquicardia, opressão torácica etc.
Um dos fatores de risco reconhecidamente estudados para a depressão pós-parto é o suporte social limitado. Mulheres com suporte social extremamente precário têm em torno de dez vezes mais chances de ter depressão pós-natal comparativamente ao grupo de mulheres que podem contar amplamente com o apoio das pessoas que lhe são caras. Por sua vez, já na gestação o baixo suporte familiar aumenta o risco de depressão em três vezes.
De forma mais específica, pouco suporte marital pode
ocorrer às mulheres com depressão pós-parto e tal afastamento daquele que poderia ser um grande provedor de afeto à mãe deve-se a um sem-fim de fatores. Como exemplo, é sabido que um número substancial de pais sofre de uma condição denominada depressão pós-parto paterna. Alguns estudos estimam que em média 10,4% dos pais enfrentam essa patologia e há uma alta correlação com os níveis de sintomas depressivos na mãe.
Existe um provérbio africano que ilustra esse complexo cenário: "É preciso uma aldeia inteira para criar uma criança”. A frase representa a importância do provimento de uma rede de apoio ampla, de modo que se permita um saudável desenvolvimento do ciclo gravídico-puerperal.
Um dos mitos que vicejam na sociedade é o de que a mulher nasce pronta para cuidar do rebento e de que, portanto, teria a autossuficiência nos cuidados ao bebê. Ledo engano social na medida em que a mulher com depressão pós-parto não somente precisa do apoio familiar, como também a família necessita ser contemplada nos cuidados psicossociais.
Assim, é imperativo que os serviços de assistência à saúde mental perinatal englobem a realidade psíquica da mulher em sua completude, não esquecendo de inserir efetivamente o seu entorno social nas intervenções terapêuticas. Sob pena de que a negligência nesse cuidado amplifique o marcado sofrimento da depressão pós-parto em uma fase tão delicada da vida da mulher.
Por Dr. Igor Emanuel
(@drigoremanuelpsiquiatra)
Médico Psiquiatra e Coordenador do Psicomater na Maternidade Escola Assis Chateaubriand; Membro da Comissão de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria; Sócio-administrador da I Psi Clinic.