A discussão sobre quem será o candidato governista à sucessão do Palácio da Abolição passa, necessariamente, pela governadora Izolda Cela (PDT). Com a "caneta da mão", Izolda é responsável pelo comando da máquina pública do Estado - o que a torna uma voz relevante na definição interna do PDT.
Uma definição que tem como uma das principais concorrentes a própria governadora. Izolda tem sido um dos pólos de acirramento sobre quem irá concorrer a chefe do Executivo estadual - em uma disputa direta com o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT). A lista também tem o presidente da Assembleia Legislativa, Evandro Leitão, e o deputado federal Mauro Filho.
Neste embate, que tem contado com sucessivas tentativas de pacificação por parte da governadora, Izolda equilibra vantagens - como ser quem melhor agrega aliados e tem importante ligação com Camilo Santana (PT) - e desafios - como tornar-se mais conhecida pela população e impor uma marca de governo apesar do pouco tempo de gestão, conforme avaliam especialistas.
Para entender o papel de Izolda Cela na movimentação política e eleitoral no Ceará, o Diário do Nordeste ouviu analistas políticos e lideranças partidárias. A reportagem faz parte da série Influências Políticas, que apresenta como diferentes atores políticos atuam na estratégia eleitoral do Estado em 2022.
O lugar de governadora
No dia 2 de abril de 2022, a posse da governadora Izolda Cela entrou para a História cearense: ela foi a primeira mulher a assumir de forma efetiva o Governo do Estado. E é da cadeira de governadora que ela deve acompanhar a disputa pelo Palácio da Abolição - seja como candidata à reeleição ou não.
O próprio lugar em que estará já carrega "o peso da responsabilidade", explica a professora de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará, Monalisa Torres. "Ocupar esse cargo já a coloca como liderança que é ouvida, que as pessoas dão crédito e sentam para negociar", completa.
Além disso, nessa cadeira, ela tem ainda uma atribuição central na disputa eleitoral que se avizinha: a manutenção de uma base aliada unida em torno do Governo Estadual, algo que envolve parlamentares estaduais e federais, além de prefeitos e dirigentes partidários.
"É um grupo político que está em final de mandato e que quer concorrer para um novo mandato para o Governo do Estado. Então, ela já sente o peso da manutenção da aliança, da entrega de obras, da conclusão e manutenção de acordos. Isso já pesa, de partida, sobre a cabeça da governadora".
Um cenário que se complexifica dentro da conjuntura atual da aliança governista, na qual pedetistas e aliados têm protagonizado sucessivos focos de incêndio ao defender os pré-candidatos do PDT ao Palácio da Abolição, aumentando o acirramento entre Izolda Cela e Roberto Cláudio nesta disputa.
Coordenadora do Laboratório de Estudos de Política, Eleições e Mídia, a professora da Universidade Federal do Ceará, Monalisa Soares afirma que a conjuntura se apresenta como "um desafio" para Izolda que, após ter "acabado de assumir, já tem que entrar na própria dinâmica de possibilidade de sucessão do mandato".
Quebra-cabeças para a sucessão
Monalisa Soares observa que existe uma diferença relevante entre um governador que já passou três anos no governo e, apenas no quarto, tenta a reeleição, para o caso de Izolda Cela que, caso vire a candidata governista, terá que conciliar - em um espaço bem curto de tempo - as atribuições exigidas pela gestão estadual e o xadrez eleitoral da sucessão.
Um tabuleiro que fica mais complexo a cada nova declaração, seja vinda do PDT ou de integrantes de partidos aliados. Algumas inclusive com potencial de colocar fim ao equilíbrio da ampla aliança que sustenta o Governo.
Apesar do principal foco de incêndios ocorrer entre o PT e o PDT, com farpas trocadas por lideranças dos dois lados, estes não são os únicos partidos que têm opinado sobre o candidato governista - MDB e PP, por exemplo, também entraram nessa queda de braço.
Os atritos, no entanto, têm evidenciado um lugar que pode ser vantajoso para Izolda: o de ser o nome que melhor agrega aliados, com poucas resistências a uma futura candidatura à reeleição e com grande possibilidade de agregar lideranças. Pelo contrário, Izolda coleciona apoio das legendas aliadas.
Apoios e riscos de ruptura
Um dos cearenses mais próximos ao ex-presidente Lula (PT), o deputado federal José Guimarães (PT) lidera grupo majoritário dentro do PT Ceará. Em abril, o parlamentar já havia falado da "preferência" da legenda pelo nome de Izolda.
"O PT não pode ir para uma aliança com poder de ofício, mas precisa se sentir representado. (...) Não estamos impondo nada, mas nossa preferência é por Izolda", disse o deputado.
Apesar de ter sido um dos principais defensores da aliança PT-PDT desde a gestão Cid Gomes (PDT), Guimarães, ao longo das últimas semanas, tem escalonado na defesa da pré-candidatura de Izolda. Inclusive, com ameaça de ruptura da parceria com a base governista.
"Para manter a aliança, tem que ser a Izolda candidata a governadora", disse em maio, completando que o PT tem "um plano A e um plano B". A tese de candidatura própria é, inclusive, apoiada por outras lideranças petistas, como os deputados federais Luizianne Lins e José Airton.
O PT, no entanto, não é o único partido a avaliar lançar um palanque próprio para a disputa estadual. O deputado estadual Zezinho Albuquerque (PP) chegou a anunciar pré-candidatura ao Governo do Ceará. Contudo, ele disse que "puxa o trem de pouso" da candidatura caso a escolhida pelo PDT seja Izolda.
"Nesse momento, ela é a mais preparada. Ela está no lugar certo, na hora certa para dar continuidade a esse projeto que transformou o estado do Ceará".
Presidente estadual do MDB, o ex-senador Eunício Oliveira afirmou que soa mais “natural” que seja a governadora a liderar a chapa governista. “É mais que natural para quem está no comando (disputar como cabeça de chapa)”, disse.
Apesar de já ter dito, mais de uma vez, que não pretende opinar na escolha do PDT, o presidente do PSD Ceará também elogia a governadora.
"Ela tem demonstrado serenidade e habilidade nas relações com o próprio partido e os aliados. É muito próprio que todos os pré-candidatos busquem nas suas habilidades e suas forças o meio de se desigualar dos outros. Ela vem mostrando muito equilíbrio nisso".
A parceria com Camilo Santana
Em contrapartida, a governadora Izolda também fez sinalizações a partidos aliados. Em meio a ataques do ex-ministro Ciro Gomes (PDT) a integrantes do PT e MDB, como Luizianne Lins e Eunício Oliveira, Izolda defendeu o respeito à aliança governista. Uma estratégia que a aproxima do antecessor.
"Ela tenta buscar construir esse lugar de que ela pode dar continuidade a esse sutil equilíbrio e articulação, que o Camilo conseguiu, de diversas forças políticas. Não só ao projeto político que o Camilo Santana organizou, mas também a essa sutil articulação e diálogo com as diversas forças políticas", afirma Monalisa Soares.
A figura de Camilo Santana também tem ganhado cada vez mais relevância na defesa da pré-candidatura de Izolda. Mesmo antes da posse troca na gestão, o petista vinha elogiando a atuação de Izolda dentro do Governo - postura que se intensificou após a posse da governadora.
"Ela tem um lugar confortável, de ter o endosso do maior cabo eleitoral do Ceará hoje, que é o governador Camilo Santana. Ela tem essa posição de proximidade, de ter a possibilidade de ter transferência mais fácil de ocorrer, pelo fato de terem trabalhado muito tempo juntos", projeta Monalisa Soares.
Izolda foi vice de Camilo Santana durante sete anos e três meses - este foi, inclusive, o primeiro cargo eletivo ao qual a governadora concorreu. Apesar de ter tido perfil mais discreto durante esse tempo, com maior foco na administração de políticas públicas, desde a posse, ela tem dado continuidade a movimentações políticas iniciadas por Camilo.
Dentre elas, está a de atender, no Palácio da Abolição, parlamentares e lideranças políticas. Nos dois meses à frente do Governo, Izolda recebeu a bancada cearense na Assembleia Legislativa e na Câmara dos Deputados, além de dirigentes dos partidos que integram a aliança governista. Izolda tem feito ainda reuniões individuais com deputados estaduais e os prefeitos aliados aos parlamentares.
“Esse esforço é relevante, porque inclusive ela também está buscando dar continuidade a algo que era muito do Camilo, que é essa ampla circulação, essa possibilidade de ser alguém que de fato aglutine e mantenha essa aliança que é tão diversa. Com essas movimentações, ela quer mostrar que seria essa liderança que poderia dar continuidade a isso”.
Para Monalisa Torres, isso demonstra ainda uma mudança na postura de Izolda ao tentar "construir espaços” e passar a utilizar estes para aumentar “essa visibilidade que é necessária para a campanha eleitoral". “Ainda que ela já atuasse dentro do Executivo, gerenciando políticas públicas importantes, do ponto de vista político, de acordos, ela está sendo experimentada agora”, completa.
O desafio no próprio partido
Contudo, dentro do próprio PDT, Izolda tem enfrentado mais resistência. Vice-presidente da Câmara Municipal de Fortaleza, Adail Júnior (PDT) criticou a governadora e afirmou que ela tem "sangue petista", em uma referência ao apoio que a sigla tem dado ao nome dela. "Eu não apoio candidato a Governo do Estado imposto pelo PT", afirmou em outra ocasião, o parlamentar.
Os vereadores de Fortaleza - na sequência do apoio manifestado pelo prefeito José Sarto (PDT) - tem se articulado na defesa do nome de Roberto Cláudio para pré-candidato ao Palácio da Abolição.
Críticas do pré-candidato a presidência da República, Ciro Gomes (PDT), às movimentações petistas em defesa de Izolda e sinalizações dele em defesa do ex-prefeito de Fortaleza também indicam que pode não ser uma tarefa tão fácil convencer os correligionários.
"A priori, parece que o grupo do PDT tem essa maior resistência por conta dessa posição dela de maior diálogo com o PT, de muita proximidade com as pessoas que estão mais próximas do governador Camilo Santana", explica Monalisa Soares. Apesar de ter alinhamento com o grupo liderado pelos irmãos Ferreira Gomes, "por não ser tão personalizada" com eles, isso pode gerar uma "não confiança total", completa a pesquisadora.
A discussão chegou a nível nacional, quando o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, no início de maio, argumentou que poderia faltar à Izolda a popularidade para vencer a disputa nas urnas.
"A minha amiga Izolda, que é uma mulher muito preparada, não é muito conhecida. Será que ela consegue em três meses ter esse conhecimento antes da convenção para se tornar favorita? Não sei. Acho pouco provável".
Reconhecimento e a 'marca' do governo
Questionado por Lupi, o recall político de Izolda Cela é avaliado pelas analistas políticas como um dos principais desafios para a viabilização de uma pré-candidatura a reeleição. "Apesar de ser governadora, de ter trabalhado com o Cid há bastante tempo, de ter sido eleita pro segundo mandato como vice-governadora na chapa do Camilo, ela ainda não é uma figura tão conhecida no Estado", considera Torres.
Para Monalisa Soares, a governadora, caso seja escolhida como cabeça de chapa, precisa responder um questionamento para a população: "Qual é o Governo Izolda e porque ela merece a reeleição?"
"Hoje, o principal obstáculo é uma marca. Apesar de ser um governo recente, ela não impõe ainda uma imagem pública, como, de algum modo, já se consegue ver em outros atores. Seja o Roberto Cláudio, que é o seu opositor direto no partido, seja o seu opositor direto se ela vier a ser candidata, que é o (Capitão) Wagner (União). Ambos são lideranças com marcas muito conhecidas, e a Izolda ainda não tem essa marca".
A pesquisadora, no entanto, aponta que existe uma marca que pode ser mais facilmente construída pela governadora, já que é o principal destaque da sua trajetória no Poder Público: a Educação. Izolda foi titular da pasta em Sobral, durante a gestão de Cid Gomes, e foi novamente convidada a comandar a área durante os dois mandatos de Cid como governador.
Durante o período, ela foi responsável por implementar e fortalecer o “Programa Alfabetização na Idade Certa” (PAIC), que, anos depois, viria a ser utilizado como modelo para a criação, pelo governo federal, do “Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa” (PNAIC).
O agora senador Cid Gomes a chamou de "responsável pelo início da revolução educacional em nosso Estado". Palavras semelhantes foram usadas pelo irmão, Ciro Gomes, ao falar sobre a atuação de Izolda na Educação: "Competente e dedicada ao povo cearense, é uma das pessoas responsáveis pela melhor educação do país", disse.
"É muito relevante destacar que, agora, pensando, ela tem um lugar onde pode facilmente construir a marca, que é a da educadora. É uma área onde o Ceará tem destaque e ela é muito responsável por isso", destaca Soares. "Ela tem condições para a disputa, mas ela irá ocorrer em um prazo muito curto e, por isso, coloca essas dificuldades para a governadora, de ter que construir visibilidade e a imagem pública".