Política sem vacina

Foi iniciada, bem à moda brasileira, a vacinação contra a Covid-19, epidemia que no mundo já matou dois milhões de pessoas, das quais 210 mil no Brasil. No último domingo, alguns minutos após a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de aprovar o uso emergencial das vacinas Coronavac, de origem chinesa, e a do laboratório europeu AstraZeneca, desenvolvida pela Universidade de Oxford, o Governo do Estado de São Paulo chamou a imprensa para testemunhar a imunização de profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate à doença.

O evento, infelizmente, explicitou pela televisão o que já era problemática: a politização de uma crise sanitária que segue muito grave, de que é exemplo a situação da cidade de Manaus, capital do Amazonas, onde faltaram – e continuam faltando – cilindros de oxigênio para socorrer os doentes internados nas UTIs dos seus hospitais.

Tudo começou errado desde o momento em que, em março de 2020, se confirmou a presença da pandemia no Brasil. Menos de um mês antes, a suspeita da chegada do novo coronavírus ao território nacional não impediu a realização das festas e desfiles carnavalescos. As cidades brasileiras foram, como sempre, transformadas em espaço a céu aberto para a celebração do Carnaval. Multidões reuniram-se nas praças e nas ruas e, sem qualquer medida preventiva contra o vírus letal, trocaram abraços, beijos e carinhos efusivos. Ao mesmo tempo, multiplicaram-se as festas de casamento, numa das quais, no litoral da Bahia, muitos cearenses presentes foram infectados, alguns com gravidade. 

Sem experiência no tratamento da doença, a medicina viu-se diante da multiplicação do seu permanente desafio: salvar vidas. Essa inexperiência causou, no Brasil e em todos os países, a morte de milhares de pessoas. Para abreviar o sofrimento dos infectados, a indústria foi convocada a produzir não só máscaras de proteção, mas equipamentos hospitalares. Houve no Brasil, e no Ceará com muito mais êxito, uma corrente de solidariedade que contribuiu para o salvamento de vidas. E a ciência, em tempo recorde, descobriu e produziu vacinas que agora começam a imunizar a população do planeta contra a doença.

No Brasil, Governo e oposição – de mensagens repercutidas pela mídia, que, conforme a fonte, amplifica a favor ou contra as opiniões emitidas – transformaram a pandemia numa deplorável questão política. Isto causou e ainda causa problemas nas relações com tradicionais parceiros comerciais, principalmente com as futuras autoridades do governo dos Estados Unidos, que a partir de amanhã terá um novo líder, o democrata Joe Biden, que já emitiu sinais pouco amistosos para o Governo brasileiro. 

Animados pelo início da vacinação, espera-se que as divergências da política se restrinjam, no Brasil, à troca de opiniões e ideias próprias do regime democrático. Mas a disputa pelo comando das duas casas do Congresso Nacional, no dia 1º de fevereiro, está a aprofundar ainda mais as divergências entre Governo Federal e oposição, prejudicando, mais uma vez, a população. A política também precisa vacinar-se, com urgência, contra o vírus da intolerância. 


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