Para os cearenses, o mês de fevereiro, último antes de se fechar o primeiro ano desde o primeiro caso de Covid-19 no Estado, marca um período de últimas lembranças do velho normal em 2020. Até um ano atrás, vivia-se os últimos registros de aglomeração da tão tradicional “volta às aulas”. Há um ano, por volta desse período, era hora de falar dos congestionamentos ocasionados pelo ir e vir dos estudantes, da compra de material escolar, dos desafios para os pais que, pela primeira vez, tinham de deixar seus filhos aos cuidados das escolas, da falta de vagas em creches.
Hoje, em meio a uma sensação instável de nova normalidade, há crianças com o privilégio de voltarem às escolas, de socializarem e de terem o desenvolvimento estimulado mais adequadamente. Há outras, no entanto, que terão de seguir lidando com as limitações dos modelos virtuais e com, até mesmo, a ausência de uma “volta às aulas”.
O medo e a incerteza em relação à crise sanitária, bem como a mudança brusca na rotina oriunda das regras de isolamento social, têm impactos graves no desenvolvimento infantil. Um estudo feito na China com 320 crianças e adolescentes, no ano passado, apontou a dependência exagerada dos pais e a desatenção como os principais problemas reportados durante a pandemia. Também foram identificados problemas no sono, falta de apetite, pesadelos, desconforto e agitação.
No cenário de fechamento das escolas, para as crianças inseridas em famílias vulneráveis economicamente, a falta de aulas significa também a falta de acesso à merenda. No que diz respeito aos aspectos pedagógicos, há prejuízos no aprendizado, principalmente na primeira infância, que é quando os alunos mais precisam de experiências concretas e interativas para consolidar o conhecimento. Aulas digitais, mesmo diante do louvável esforço de muitos professores, não seriam suficientes para isso.
É importante ressaltar que pouco se sabe sobre a saúde mental de crianças em idade pré-escolar, de três a cinco anos, que ainda não expressam seus sentimentos com clareza. No final do ano passado, um estudo de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp, com 1.292 crianças de quatro a cinco anos de idade de 30 escolas públicas do município de Embu das Artes, na Grande São Paulo, mostrou que uma em cada quatro crianças pré-escolares apresentou sinais de ansiedade, oscilações de humor, timidez excessiva e dificuldade de relacionamento. Isso foi identificado diante de um cenário pré-pandêmico. São problemas que, se não reconhecidos e tratados, podem se desdobrar em quadros mais graves.
Não se pode assumir uma atmosfera de normalidade numa realidade ainda tão cheia de limitações. Não se pode descuidar das crianças e dos impactos da pandemia sobre elas. A quebra de tradições, como a volta às aulas, traz toda uma carga de perdas e de distanciamentos sociais e emocionais tão fundamentais para meninos e meninas. É preciso cuidar em manter uma rotina de atividades que estruturem o dia e a formação de laços entre pais e filhos e, sempre que possível, com amigos e outros familiares, ainda que por encontros virtuais. Não se pode descuidar das crianças nem deixá-las sob os impactos pouco claros de um “novo normal”.