Negar responsabilidades

A segunda onda da Covid-19 revela que pouco aprendemos com a primeira. Se considerarmos que a “primeiríssima onda” - na China, seguindo à Europa - antecipou em três meses o que viveríamos a partir de março de 2020, o Brasil, então, teve duas chances para se preparar. Os melhores cuidados possíveis não evitariam a pandemia, mas já seriam capazes de evitar muito mais mortes. E houve negligência.

As centenas de óbitos causados nos últimos dias, em Manaus (AM), pela falta de oxigênio, são um recorte trágico de uma série de erros governamentais, cometidos em todas as esferas, em que pese a responsabilidade do Governo Federal em não possuir uma estratégia nacional, que talvez só seja efetivada agora, com a vacinação, afinal, há muito somos referência.

Entre a primeira e a segunda onda, o Estado do Amazonas, mas principalmente a sua capital Manaus, relaxou em medidas de isolamento social, mesmo com os números ainda altos. Bastou uma pequena “melhora” dos índices para a sensação de que a pandemia estaria dando um “fôlego”. Uma triste ironia, em meio à falta de cilindros de oxigênio nos hospitais da capital e as pessoas morrendo asfixiadas.

Os órgãos competentes de saúde, bem como equipes de cientistas que estão na ponta do enfrentamento à pandemia, em momento algum disseram que o vírus estava recuando. Pelo contrário, a segunda onda sempre foi anunciada. Não por pessimismo, mas por ciência.

Três semanas antes do novo colapso no sistema de saúde em Manaus, o Governo Federal elevou, em dezembro, imposto de importação de cilindros de oxigênio. Esse material que armazena o gás estava isento de imposto desde março de 2020, justamente para facilitar o combate à pandemia. Voltou para os patamares entre 14% e 16%. Duas semanas antes de elevar esse imposto, o Governo zerou tarifas de importação de revólveres e pistolas, numa total desconexão com o que poderia ser priorizado em isenção tarifária para o período atual.

Ontem, após começar a enviar pacientes para outros Estados e obter o apoio de outros países, incluída a vizinha e desgastada Venezuela, para o fornecimento de oxigênio, o presidente da República anunciou que vários aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) se encaminham para o fornecimento de cilindros de oxigênio. O anúncio é finalizado, em declaração, com “fizemos a nossa parte”. 

Contudo, todas as responsabilidades precisam ser aferidas, em que pese o Governo do Estado precisasse estar ciente da fragilidade do seus equipamentos de saúde ao ponto de ter, em momento inoportuno, recuado no temido, mas necessário, “lockdown” - hoje, a única alternativa inteligível. Citando a tragédia mais recente em Manaus, o diretor executivo da Organização Mundial da Saúde (OMS), Mike Ryan, afirmou que a situação está se deteriorando, e alertou o mundo: “o que está acontecendo em Manaus é um alerta para muitos países.

A pandemia não acabou ainda”. Suas últimas palavras são um apelo à conscientização das autoridades: “precisamos ser capazes de aceitar, como indivíduos, como comunidades e governos, nossa parte da responsabilidade para o vírus sair do controle”. O recado foi dado, mas infelizmente poucos terão a maturidade suficiente para reconhecê-lo.


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