Falhas inconcebíveis

Pela dimensão e relevância, as obras hídricas deveriam ser o que temos de maior perfeição da engenharia, mas essa excelência está abalada, diante de mais uma tragédia envolvendo barragem ainda em fase de testes.

O rompimento de um duto na barragem do Açude Atalho, em Brejo Santo, na semana passada, precisa ser investigado com a seriedade que o caso exige. As famílias dos três operários mortos têm direito a uma explicação, e a sociedade, além dos atuais operadores da área, a segurança de que esse fatídico não mais ocorrerá.

Em agosto do ano passado, uma falha na montagem e condicionamento de um conjunto de válvulas causou o rompimento de um duto na barragem de Jati. 

A força das águas arrastou carros, postes, geradores de energia, equipamentos instalados para o monitoramento do açude e, por muito pouco, não vitimou pessoas. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, afirmou que “a empresa contratada para fazer o trabalho não procedeu de forma adequada”, alertando para o que foi “uma sequência de falhas, somatório de erros”.

Menos de seis meses após o sinistro, o rompimento na barragem mais próxima a Jati, a de Atalho, em Brejo Santo, ceifou a vida de três operários no dia 8 de fevereiro. 

As famílias de Jati já seguiam preocupadas (à época, duas mil pessoas foram retiradas de suas casas sob risco e inundação) e o novo episódio não contribui para o desejo de tranquilidade naquela região.

As barragens em Jati e Brejo Santo, diga-se, são as duas primeiras em solo cearense a receber as águas da transposição do Rio São Francisco. Deveria ser apenas mais um procedimento hidráulico, não o estopim para uma tragédia mortal. O bombeamento das águas do Velho Chico, que ocorre desde novembro, precisou ser interrompido.

Uma equipe do Ministério do Desenvolvimento Regional está em Brejo Santo investigando as causas das falhas nas válvulas que desencadearam o problema.

No caso de Jati, uma sucessão de falhas gerou o desastre. Se também um “somatório de erros” tiver gerado a tragédia na barragem Atalho, conforme as investigações possam, ou não confirmar, estaremos diante de um problema tão sério quanto criminal. A falta de punição pode contribuir para mais angústia das milhares de famílias que moram na região e temem novos problemas, sobretudo, quando as águas do São Francisco chegarem “a todo vapor”.

Não é possível admitir, como disseram algumas autoridades, que “acidentes acontecem”. É o tipo de afirmação que conota desvio de responsabilidade, levando ao ambiente do natural ou puramente casual que ocorram falhas de engenharia em obras milionárias e feitas para funcionar perfeitamente. Acidentes acontecem como resultado de falhas, e esses erros precisam ser responsabilizados. 

Não à toa, milhões de reais dos cofres públicos são destinados para obras hídricas “de ponta”, em tese, com projetos de execução e operação discutidos exaustivamente por profissionais competentes e treinados para o trabalho. Falhas de montagem, conservação e acondicionamento são inconcebíveis nas grandes obras hídricas. Erros em Jati e Brejo Santo não podem se repetir. O que se espera das grandes obras de convivência com a seca é que promovam vida, não morte.


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