Foram noticiadas graves ofensas contra as trabalhadoras domésticas no formato de “lista suja” constando nomes, contatos, fotos e mensagens de teor difamatório nos grupos de whatsapp de condomínios de classe alta, em São Paulo e no Ceará. Criadas e divulgadas por patroas cujo propósito é evitar que as constantes na lista sejam contratadas.
Os argumentos postados nas mensagens expõem essas trabalhadoras, ao utilizar termos pejorativos e discriminatórios, chamadas de “morenas”, “macumbeiras”, acusadas de ter passagem pela polícia, apontadas com caráter duvidoso como ladras, julgadas com problemas psicológicos, resistentes a obedecer às regras, priorizam o uso abusivo de celulares e aplicativos de namoro ao invés de trabalharem e gostam de causar confusão no ambiente residencial em que trabalham.
O perfil destas mulheres está fortemente marcado por imagem negativa, representação estereotipada e de controle. Essas listas legitimam a “liberdade” de odiar, ofender e destruir vidas, por meio de acusações sem provas baseadas na prática do sexismo e racismo.
A lista suja contra as empregadas domésticas representa um perverso ataque as mulheres, haja vista que essa ocupação profissional é formada por 90% de mulheres. Segundo o Dieese (2022) 65% destas são negra, e recebem 20% menos do que as não negras. Historicamente, o trabalho doméstico configura-se como principal porta de entrada das mulheres negras no mercado de trabalho e é onde a violação de direitos é mais presente, marcado por discriminação, assedio e violências.
Não precisa de muitos esforços para ver a associação perversa entre trabalho doméstico e servilismo humilhante que vigorou na escravidão. O tratamento dado as empregadas domésticas guarda semelhança com o que receberam os ex escravizados/as no pós abolição. Foram considerados como classe perigosa, uma ameaça à ordem social, massa despreparada, sem humanidade, infantilizada, com traços fortes da vagabundagem. As raízes encontram-se numa sociedade de ranço patriarcal, sexista, machista e racista de inferiorização das mulheres e negros/as.
As patroas poderiam recorrer ao campo institucional para resolverem as relações de trabalho com as empregadas domésticas. Contudo, escolheram a via seguida pela elite do século XIX da desvalorização, rebaixamento social e discriminação dos modos de vida das domésticas, perdurando convicções de que criar e divulgar tais listas não terá implicações jurídicas, crentes na impunidade. Querem continuar no seu lugar de conforto, não suportando qualquer contrariedade, reproduzindo a linguagem da escravidão.
As empregadas domésticas precisam ser enxergadas e ouvidas. As entidades representativas dessa categoria, os movimentos de mulheres negras e instituição de defesa dos direitos trabalhista consideram isso absurdo, inaceitável. As mulheres negras têm reivindicado imagem positivas, que expresse sua liberdade e história.