Um sonho de Patativa que o Nordeste de hoje realizou

Escrito por
Xico Sá producaodiario@svm.com.br
Legenda: Patativa do Assaré foi como ficou conhecido Antônio Gonçalves da Silva, filho de agricultores do interior do Ceará
Foto: Sheyla Fontes

Foi lá na primeira metade dos anos 2000 que começou a virada histórica na rota de migração do Nordeste. Mais gente voltando para a região do que indo embora.

Agora vejo aqui a notícia: pela primeira vez na vida, São Paulo (principal destino dos migrantes) registrou mais saídas do que entradas de moradores. Dados oficiais e quentinhos do IBGE.

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Isso me levou direto, na boleia da memória, para uma conversa com Patativa do Assaré, no começo dos anos 1980, no bar e restaurante Pau do Guarda, no Crato.

O homem que compôs “A triste Partida” — gravada por Luiz Gonzaga em 1964 — afirmava: o seu grande sonho era que um dia as famílias do sertão não precisassem mais ir embora para o “sul” a cada grande estiagem.

O outro participante da conversa, o amigo Cícero Mendonça, comoveu-se com o maior desejo do poeta. Tomamos caldo de ovo e comemos pirão de galinha. Depois de suar a sustança, subimos a chapada do Araripe, com o propósito de deixar Patativa em casa — ele havia participado conosco de um encontro do Cajuno, Centro Acadêmico de Juazeiro do Norte.

Aquela noite jamais foi esquecida. Na estrada a caminho de Assaré, a bordo da Brasília seminova de Mendonça, o poeta sonhava em voz alta sobre o futuro do Nordeste e a possibilidade do matuto conviver com a seca sem ter que deixar sua terra.

Não é que tenha virado um paraíso, poeta, mas os programas sociais implantados a partir do primeiro governo Lula (2003-2006), combinados com o desenvolvimento econômico dos nove estados da região, transformaram o Nordeste.

O aperreio do povo não acabou de vez, ainda estamos longe disso. Não se vê mais, porém, as legiões de retirantes rumo a São Paulo. É uma realidade ao alcance da vista. Agora também comprovada na série histórica dos números de migração que o IBGE produz desde os anos 1990.

“A seca terrive/ Que tudo devora”, como nos versos da “A triste Partida”, até maltrata, mas não expulsa os viventes do semiárido.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

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