No ataque de Trump, hora de lembrar o cearense Delmiro
Em tempos de ameaças tarifárias de Donald Trump, com apoio do clã do ex-presidente Bolsonaro, é hora de lembrar de um visionário cearense que é símbolo da luta contra ameaças estrangeiras no Brasil.
O nosso personagem da semana saiu da pobreza do sertão nordestino, ainda no século XIX, para uma conquista épica: disputar com os ingleses o domínio do mercado de linhas de costura e fios de malha na América Latina.
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E repare que luxo: ele fez do couro de bode o que havia de mais chique na moda de Nova York há um século antes de os brasileiros ouvirem falar na palavra “fashion” — que diabé´isso, como diriam os nossos conterrâneos na época.
Quer mais? O mesmo matuto fundou no Recife, na virada de 1899 para 1900, o mercado do Derby, que é tido e havido como o primeiro shopping center do País.
Tempinho depois, em 1913, faz-se a luz, o rapaz do interior inaugura a hidrelétrica de Angiquinhos, na cachoeira de Paulo Afonso, na parte das Alagoas. O sertão dos candeeiros e dos lampiões conhecia a iluminação levada de poste em poste.
Lembra a cena do espanto de pessoas descobrindo o gelo, na Macondo do livro “Cem Anos de Solidão”, do colombiano Gabriel García Márquez? Na vida real, foi este cearense que colocou para funcionar as primeiras geladeiras nas beiradas do rio São Francisco.
O mesmíssimo cidadão adotou nas suas empresas, em um Nordeste ainda feudal, a jornada de oito horas de trabalho — expediente que só se via em algumas cidades da Europa. A primeira creche também foi obra desse visionário do Ceará.
Sim, é quem você está pensando, o próprio, Delmiro Augusto da Cruz Gouveia (1863-1917), nascido no Ipu, órfão aos cinco anos, um dos maiores brasileiros de todos os tempos.
A histórica fábrica de linhas Estrela começou a funcionar em 1914. Em pleno sertão alagoano, a empresa chegou a empregar 1 700 pessoas, sendo 700 mulheres, o que era um avanço nos costumes da época.
Em poucos anos, Delmiro dominava o mercado da América Latina. O avanço da fábrica nordestina irritava os ingleses da companhia Machine Cottons. Eles tentaram comprar a firma a todo custo, para eliminar a concorrência.
A peleja comercial com os estrangeiros era arrojada, o que tornou o matuto um símbolo do empresariado nacionalista. Em 10 de outubro de 1917, porém, o industrial é assassinado na varanda da sua casa, em Pedra (atual município de Delmiro Gouveia), por um grupo de pistoleiros.
Não se sabe até hoje quem encomendou o crime. Teria sido os oligarcas da região ou os concorrentes comerciais da Inglaterra? — como na suspeita mais forte.
Depois do assassinato, os herdeiros de Delmiro venderam a fábrica para a Machine Cotton. Todas as máquinas da Estrela foram demolidas e jogadas na correnteza do rio São Francisco. Os ingleses retomaram assim o monopólio no ramo.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.