Meninos, eu vi; meninas, este cronista cearense testemunhou tudo de perto. Aproveito a semana de homenagem aos 93 anos de Sílvio Santos para contar a aventura do apresentador como candidato à Presidência da República. Repórter da revista “Veja”, colei no homem do Baú da Felicidade como um carrapato. Divido com vocês esta presepada.
O candidato prometia abrir a porta da esperança aos eleitores; Fernando Collor, Lula e Brizola espernearam. A candidatura do apresentador sacudiu a primeira eleição presidencial depois da Ditadura.
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Sílvio Santos largou uma gravação do quadro “Tudo por dinheiro”, nos estúdios do SBT, em São Paulo, e surgiu, de repente, em Brasília, há duas semanas da eleição de 1989, como concorrente ao Palácio do Planalto. Foi um rebuliço.
O maior comunicador da tv brasileira disputaria o cargo no lugar de Armando Corrêa, concorrente nanico do também pequeno PMN, Partido Municipalista Nacional, que renunciou para que SS pudesse sonhar com a cadeira ocupada na época por José Sarney.
A reviravolta na eleição foi imediata. Tanto a esquerda, com Lula e Brizola, quanto a direita, com Fernando Collor, protestaram contra o intruso. Pesquisas de intenção de votos indicavam que apresentador poderia conquistar uma vaga no segundo turno da corrida presidencial. Antes da renúncia de Corrêa, Sílvio havia tentado substituir o pretendente do PFL, Aureliano Chaves. O político mineiro, porém, recusou a manobra.
O comunicador da “Porta da Esperança” chegou a divulgar a publicidade de campanha, com um jingle com a mesma melodia da música de abertura do seu programa na televisão: “Sílvio Santos vem aí...”. Reforçava ao eleitor que o importante seria votar no número 26, pois não haveria tempo hábil para colocar seu nome na cédula — o TSE já estava com todo o material de votação impresso e lá constava ainda o candidato Armando Corrêa.
A seis dias da eleição, em 9 de novembro, o tribunal acabou com o sonho do apresentador, por um placar de 7 votos a 0. O erro fatal: o PMN não havia realizado convenções regionais (em pelo menos nove estados) para aprovação da candidatura, como previa a regra do jogo.
Sem o rei do auditório no páreo, Fernando Collor disputou o segundo turno com Lula da Silva, sendo eleito o primeiro presidente da fase da redemocratização. O final trágico da história, todo mundo sabe — com direito a confisco da poupança dos brasileiros e impeachment por corrupção.
Mesmo com apenas duas semanas de uma campanha tumultuada, a possibilidade de ter Sílvio Santos como presidente preocupou parte do eleitorado, mas também divertiu muita gente. Rendeu uma farta safra de piadas de boteco, os memes daquele momento: o locutor Lombardi, por exemplo, era dado como certo para o cargo de porta-voz do Palácio do Planalto; o ator e comediante Pedro de Lara, que fazia o tipo carrasco do júri do programa, era apontado como provável ministro da Justiça.
Durou pouco a campanha de SS, mas nunca me diverti tanto em uma cobertura política como esta. Somente em Sucupira, a fictícia cidade baiana da série “O Bem Amado”, poderia ser mais bizarro.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.