A rural rai arribá... A peleja do Nordeste contra o diabo negacionista

Legenda: O mundo entrou no terceiro ano de pandemia da covid-19
Foto: Thiago Gadelha

“Arrumamalaê, arrumamalaê/ Arrumamalaê/ A rural rai arribá”. É a Ruralina, o carro da vacina em Missão Velha, no Cariri cearense, ao som de Neo Pi Neo, facilitando a vida das famílias do interior com o imunizante contra o vírus da Covid. É só um exemplo simples e municipal, na contramão do negacionismo bolsonarista, que ajuda a manter a crença dos brasileiros no bom-humor e na eficiência das imunizações.

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Missão Velha é conhecida como terra da Rural. De lá, uma frota desse veículo resolvia, até os anos 1990, o problema de transporte alternativo em todo o sul do Ceará. O uso do velho carro da Willys tem uma tração afetiva nas quatro todas — é um apelo que bate direto na moleira da memória.

Infalível e lógico como o forró clássico do missãovelhense Messias Holanda: “Eu quero me trepar no pé de coco/ Eu quero me trepar pra tirar coco/ Depois eu quero quebrar o coco/ Pra saber se o coco é oco”.

É desse tipo de afeto e dengo do Cariri que o país precisa. Não de grosseria oficial das autoridades de Brasília. Não custa nada um agrado. Outra onda de afeto no Nordeste vem das praias do Recife.

Os agentes de saúde premiam os vacinados com um caldinho de feijão ou camarão, a iguaria tradicionalmente servida com cachaça no litoral de Pernambuco.

Não é que uma política de varejo desse naipe seja capaz de converter um embrutecido negacionista, mas ajuda, na simpatia e delicadeza, a apressar a terceira dose de muita gente. Salva vidas e evita agonias hospitalares. “Reforço, porra”, como apela, com doçura e com afeto, o streamer Casimiro.

O que vale é mobilizar para a vacinação. Tudo isso ajuda. Rural de Missão Velha, carro do ovo, Brasília amarela, o misto de Pedro Apolônio do Crato (veículo que era caminhão e ônibus ao mesmo tempo), as toyotas esticadas e convertidas em coletivos em Brejo da Madre de Deus (Pernambuco)...

A criatividade aliada à política universal do SUS é o que importa. No postinho de saúde ou no esquema ambulante para animar os mais lesados, esquecidos ou displicentes. Tudo isso ajuda, repita comigo. É a busca da delicadeza perdida. Uma prática na contramão das falas presidenciais e dos falsos pregadores que dão boas-vindas ao coronavírus e suas novas cepas.

Na vez das crianças, a partir da próxima semana, quanto mais atrativos, melhor ainda para a campanha. Foi neste espírito, aliás, que veio ao mundo, em 1986, o Zé Gotinha, boneco criado pelo artista plástico mineiro Darlan Rosa. Viva a vacina. Agora mais do que nunca. Vamos nos livrar dessa peste.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.