Assassinaram o camarão: um papo político com o gênio Mussum

Legenda: Sobrou para o crustáceo, simples assim. Solta o som, genialíssimo Mussum.
Foto: Divulgação/TV Globo

“Assassinaram o camarão, assim começou a tragédia no fundo do mar”, mandariam, na lata, “Os originais do Samba”. Trilha sonora inevitável do momento.

É isso, caríssimo Mussum, ainda estamos na primeira semana do ano novo e já fomos obrigados a debater cada assunto. Tudo por causa das aventuras e desventuras presidenciais. O homem não para. No jet-ski, supera Fernando Collor; nos trejeitos e arroubos, bate até o Jânio Quadros. Sim, não são lá dois grandes exemplos, mas é o que temos na galeria comparativa.

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Para manter a sanidade, nobilíssimo Mussum, o que nos resta é o humor, além da arte do maldizer e o desabafo, afinal de contas ainda teremos dez longos meses até as eleições de outubro. A fuleiragem, que está para os cearenses como a filosofia para os alemães da Escola de Frankfurt, ajuda demais nessa hora, meu amigo.

O que seria de nós, com ou sem discussões escatológicas, sem este recurso. Não dá para acompanhar o enfezamento da autoridade máxima da nação — com direito a ilustrações científicas nos telejornais — sem a goga e a gaiatice de praxe.

Nas palavras técnicas do médico-cirurgião Antônio Luiz Macedo, ilustríssimo Mussum, o camarão não mastigado causou a obstrução intestinal no chefe do Executivo. Coisa séria. Foi o bastante, amigo, para que todo brasileiro começasse a discutir o entupimento presidencial como se fosse um gastroenterologista ou coloproctologista, para citar apenas dois profissionais do ramo.

Houve quem apelasse também para a equipe técnica do Big Jato, famoso e agora moderníssimo caminhão limpa-fossas de Juazeiro do Norte. Valia tudo nos colóquios da Praça do Ferreira e nas mesas redondas Brasil afora. Nada melhor para ocupar o tempo da ressaca neste princípio de 2022.

Os metidos a intelectuais também entraram na roda. Houve quem resgatasse uma apropriada frase de Gabriel García Marquez: “Os homens se dividem entre os que cagam bem e os que cagam mal”.

Si, por supuesto, o autor de “Cem anos de solidão” também era chegado à pratica de uma boa fuleiragem, mesmo sendo colombiano. Para quem desconfia da veracidade, temos duas fontes bibliográficas: “O paraíso perdido”, de Frei Betto, e “Perfis do Rio — Hélio Pellegrino”, de Paulo Roberto Pires. Ao final da sentença, proferida na Cuba de Fidel dos anos 1980, o prêmio Nobel de literatura ainda reconheceu sua inveja das pessoas felizardas que não enfrentam dramas intestinais de rotina.

É isso, sobrou para o crustáceo, simples assim. Solta o som, genialíssimo Mussum.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.



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