Quando partidos existem para servir aos seus ‘donos’, não servem à sociedade

A troca de comando recente no PTB do Ceará é mais um exemplo de que o personalismo e suas conveniências imperam sobre uma agenda programática coerente

Legenda: Fellipe Cavalcante (direita), ao lado de Roberto Jefferson, foi alçado à presidência do PTB no Ceará por indicação do pai, Delegado Cavalcante
Foto: Reprodução

O cabo de guerra em torno de mais um partido político no Ceará escancara, mais uma vez, a fragilidade das agremiações partidárias na nossa democracia. É como um lembrete que vai e vem sempre que fica evidente que, ao servirem mais aos “donos” do que à sociedade, apequenam-se as instituições e, por isso, o propósito que têm de existir.

O embate da vez é pela presidência do PTB no Ceará. Numa troca de comando de cunho personalista, a legenda foi de um extremo a outro: da base aliada do governador Camilo Santana (PT) à oposição bolsonarista ao chefe do Executivo Estadual.    

A guinada é explicada, sobretudo, por quem comanda o partido atualmente em âmbito nacional. Por conveniência da onda na qual surfa Roberto Jefferson, o deputado federal Pedro Bezerra foi destituído da presidência estadual do PTB para dar lugar ao advogado Fellipe Cavalcante, filho do deputado estadual Delegado Cavalcante (PSL).  

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Na prática, a legenda foi entregue ao pai, que ainda tenta na Justiça deixar o ex-partido do presidente Jair Bolsonaro. Decisão individual. 

A justificativa trazida a público também busca sustentação nas palavras-chave dos seguidores da retórica política do ocupante do Palácio do Planalto: “hoje a cartilha é conservadora. Agora é Deus, Pátria, família e liberdade”, resumiu Roberto Jefferson sobre o estatuto partidário vigente.  

Descrédito estampado já no nome

É preciso reconhecer que siglas partidárias, como estruturas orgânicas, passam, sim, por mudanças ao longo do tempo, mas alguém sabe onde foram parar algumas das bandeiras nacionalistas do Partido Trabalhista Brasileiro? O descrédito dado aos nomes de várias legendas é sintomático de problemáticas muito maiores. 

Trago o caso a esta reflexão por ser o mais recente pelas bandas de cá, mas não foi o primeiro, tampouco será o último. A fórmula que sustenta uma legenda de aluguel, algo que muitos dirigentes tomam como um xingamento, é com frequência a mesma, inclusive em outros grupos políticos.

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Antes de passar para as mãos dos Cavalcante, era outra família, embora em outro lado do espectro político local, que ditava os rumos do PTB no Ceará. Arnon Bezerra, ex-prefeito de Juazeiro do Norte, presidia a sigla antes de entregá-la ao filho, ao ser “punido” pelo diretório nacional por escolhas - suas e do herdeiro político - que contrariaram quem se reivindica “dono”.

A influência do patriarca, contudo, se mantinha intacta por aqui, mesmo fora do posto formal de dirigente. 

Tudo isso acontece porque, com o funcionamento partidário sustentado por comissões provisórias - ou seja, por comandos indicados pelas instâncias superiores das legendas e não por escolha dos próprios filiados em processos internos, o que constituiria diretórios eleitos -, impera a vontade do “rei”. Desagradou, está fora. Há também aqueles que perdem espaço não por desagrado, mas por outros interesses de ordem igualmente pragmática.  

Moeda de troca

Após a aprovação da cláusula de desempenho, em 2017, ser deputado federal virou praticamente critério de seleção para comandar partidos em muitos estados, inclusive no Ceará. O cargo tornou-se mais importante do que a liderança que determinados nomes poderiam ter sobre as suas legendas. 

Por isso, não de hoje, há partidos que representam tão pouco. Tratados como mera formalidade nos processos eleitorais, muitos passam a não ser mais do que isso. Para além das eleições, são usados também como moeda de troca.

É o que faz o “Centrão”, grupo de siglas no qual está o PTB, fiel da balança para garantir governabilidade e, portanto, perpetuador do fisiologismo na política brasileira. Quem ganha? Os “donos”. As perdas, estas sim, são compartilhadas.