Ao recorrer a Temer, Bolsonaro muda o tom em nota à Nação, mas recuo não põe fim à crise

O passo atrás desta quinta não significa, necessariamente, mudança de rumo na escalada autoritária que vinha deixando evidente

Legenda: Michel Temer passa a faixa presidencial a Jair Bolsonaro na posse do atual chefe do Palácio do Planalto
Foto: Agência Brasil

Foi, no mínimo, uma surpresa: após os discursos inflamados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a apoiadores nos últimos dias, é de se estranhar a versão pacificadora do chefe do Palácio do Planalto na nota assinada por ele nesta quinta-feira (9).  

Para mudar o tom, foi preciso recorrer ao ex-presidente Michel Temer (MDB) em meio às paralisações de caminhoneiros, episódio mais recente no barril de pólvora que virou o Brasil. A nota foi divulgada pelo Governo Federal após reunião entre Bolsonaro e o emedebista, em Brasília, realizada a pedido do presidente. 

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Nela, Bolsonaro fala em cumprir seu dever como presidente “no instante em que o País se encontra dividido entre instituições” e tenta convencer com uma autocrítica que não fez desde o início do mandato. 

Pontos da nota

Dois dias após insuflar manifestações que atacaram instituições, disse que nunca teve “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos poderes”. Admitiu que as pessoas que exercem o poder “não têm o direito de ‘esticar a corda’, a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia”. Como explicar o que aconteceu anteontem, então?

Ao justificar que palavras “contundentes” resultaram do “calor do momento”, citou nominalmente o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), responsável pelo inquérito das fake news - um dos principais incômodos do Palácio do Planalto. 

“Em que pesem suas qualidades como jurista e professor, existem naturais divergências em algumas decisões do Ministro Alexandre de Moraes. Sendo assim, essas questões devem ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no Art 5º da Constituição Federal”, afirma a nota assinada pelo presidente. 

A aparente trégua em nada condiz com a mesma autoridade que, em live realizada em junho, disparou que “fake news é o próprio Alexandre de Moraes, a mentira em pessoa dentro do STF”. Os adjetivos usados por Bolsonaro, naquela e em outras ocasiões, também foram outros: “não dá para continuarmos com um ministro arbitrário, ditatorial, que não respeita a democracia”. Para citar alguns.

O fator Temer

A nota, com assinatura do atual presidente, tem muito do antecessor. A troca repentina de discurso, portanto, atesta, mais uma vez, a incapacidade de Bolsonaro de lidar com o retrato caótico que criou em prol de interesses, sobretudo, individuais.  

O passo atrás desta quinta não significa, necessariamente, mudança de rumo na escalada autoritária que vinha deixando evidente em seus últimos pronunciamentos. Pode acalmar os ânimos institucionais agora, mas não põe fim à crise. Inclusive porque, em paralelo, irrita parte da corrente ideológica que dá sustentação ao Governo. 

É preciso mais do que uma nota à Nação para cumprir o seu “dever como presidente”. A mudança de tom, não de posicionamento, veio dois dias após as manifestações de 7 de setembro. Legislativo e Judiciário podem começar desde já a contagem: quanto tempo durará o "recuo" da vez? 

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