Rodrigo Janot: Financiamento público de campanha é 'uma forma de equilibrar o jogo democrático'

O ex-procurador-geral da República esteve no Ceará para palestrar sobre compliance

Legenda: O ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, durante palestra na OAB-CE
Foto: Divulgação

O ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi um dos atores importantes no cenário político brasileiro durante o auge da Operação Lava Jato no Brasil.

Escolhido por Dilma Rousseff para dois mandatos à frente do Ministério Público Federal, o jurista acompanhou a mudança na condução do Palácio do Planalto com o impeachment da petista.

Em um fato inusitado no Brasil, o PGR apresentou mais de uma denúncia contra um presidente da República, no caso Michel Temer. As acusações tinham como pano de fundo as delações premiadas colhidas pela operação Lava Jato.

A operação, extinta, investigava principalmente o pagamento de Caixa 2 a campanhas eleitorais por empresas que tinham negócios duvidosos com setores do Governo Federal.

Aposentado das funções, o ex-PGR hoje faz palestras sobre medidas modernas de combate à corrupção na relação empresa e setor público. Ele esteve no Ceará para palestra na Ordem dos Advogados do Brasil.

Em entrevista exclusiva a esta coluna, Janot admite erros da Lava Jato, mas aponta mais benefícios das investigações do que equivocos. O ex-chefe do MPF destaca ainda que o financiamento público estimula a democracia no cenário político.

Leia a entrevista completa com Rodrigo Janot:

A Lava Jato foi encerrada no Brasil. Como o senhor vê a operação? 

Todo ser humano comete erros e acertos. É óbvio que se a gente procurar a gente vai achar erros e acertos. Só que os acertos foram infinitamente maiores do que os eventuais erros. E os erros não chegaram nunca a contaminar o resultado positivo dessa operação que infelizmente foi extinta.  

O que a Lava Jato deixa para o País? 

Eu sou um eterno otimista, né? Do ponto que o Brasil partiu quando começa a Lava Jato e, com esse resultado agora que estamos vivendo, a gente está vivendo um processo de retrocesso, só que esse retrocesso não vai chegar nunca ao ponto de partida. Então, a gente ganhou alguns metros do nosso processo civilizatório, e os números da Lava Jato estão aí. E um dos efeitos é exatamente que a iniciativa privada busque agora seus próprios microssistemas para prevenir e combater atos de corrupção.  

Você acha que o sistema político sofreu alguma alteração depois da Lava Jato?  

Essa questão da Lava Jato chegou a atingir políticos e empresários. A atuação do órgão de controle estatal não teve efeito para uma mudança sistêmica do nosso sistema político, e é isso que o nosso sistema político reclama, uma mudança sistêmica. Esse sistema tem que ser repensado.

Naquela Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a contribuição de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais, os números que constam ali naquela decisão do Supremo são absurdos do custo de um mandato para governador, do mandato de senador, mandato de deputado, um mandato à presidência da República.

A primeira eleição presidencial de peso, que foi a que elegeu o presidente Fernando Henrique Cardoso, estávamos falando de três milhões de dólares em uma eleição. Até a última eleição a gente estava falando de quatrocentos e setenta milhões de dólares. É lógico que isso tem um impacto no sistema político e o sistema político tem que sofrer uma construção como um todo. 

Como o senhor avalia o financiamento público e o valor aprovado para a campanha de 2022? 

Eu não consigo dizer em um valor absoluto se R$ 4,9 bilhões é muito ou é pouco para financiar um processo eleitoral. Na origem, a gente tem três formas de financiar o processo democrático. Uma forma é privada, uma forma é privada e pública e uma forma é pública.

A corrupção eleitoral não é uma coisa endêmica brasileira. A corrupção eleitoral existe ou existiu nos Estados Unidos, na França, na Inglaterra, na Espanha. Nesses países houve uma restrição das doações para a campanha eleitoral de pessoas físicas ou jurídicas e a tendência foi, por exemplo na França, de se transplantar isso para o financiamento público. É uma forma de equilibrar o jogo democrático. O candidato que tem muito dinheiro tem uma probabilidade de se eleger muito mais do que um candidato que tem pouco dinheiro. Então, se a origem é a mesma, por exemplo, pública, a tendência é equilibrar essa competição entre candidatos. Eu acho que ela ajuda na democracia.

Quanto ao valor, esse valor absoluto R$ 4,9 bilhões, eu não consigo fazer uma avaliação disso. A gente está vivendo um problema de pandemia, mas não sei se é pouco, se é muito, se é médio. Assustou o número como número absoluto, mas eu não tenho condição de avaliar. 

É mais fácil fiscalizar o dinheiro público do que o privado?  

É, porque, ou em tese, deveria ser. Porque o privado é caixa 2, é dinheiro que entra e que nem sempre você consegue rastrear a não ser que você consiga identificar um ato ilícito. E a gente brinca que os órgãos de controle e investigação são tentativa e erro. Você sai numa linha de investigação, vai caminhando nessa linha e chega lá na frente tem um muro, você bate a cabeça, volta e tem que pegar outro caminho. Então, em tese, seria melhor, sim. Agora, criada a lei, criado o desvio da lei.

Legenda: Rodrigo Janot palestrou sobre compliance
Foto: Divulgação

Se você proíbe o financiamento privado para campanha, é óbvio que outras formas existirão para fazer essa curva da lei. Tem um país, que eu vou omitir dizer o nome para não ganhar um problema diplomático para o Brasil, mas tem um país em que houve a restrição do financiamento privado de campanhas políticas. As organizações criminosas, então, assumiram esse ponto. É difícil você achar um caminho do meio enquanto a gente não tiver uma evolução no nosso processo civilizatório e as pessoas entenderem que isso aqui mexe com a vida de todo mundo de toda a sociedade. 

O senhor veio ao Ceará para falar sobre compliance. O que isso quer dizer nos dias de hoje? 

Como eu trabalhei muitos anos na área de combate à corrupção, enfim, patrimônio público, etc, eu me aposentei e fui desenvolver um trabalho em uma área que é correlata isso, que é o chamado compliance. O compliance ajuda instituições públicas e privadas a evitar atos de corrupção e de lavagem de dinheiro, e com isso evitar sanções penais, administrativas de improbidade eleitoral de um lado e risco à imagem de outro.

Um exemplo largo seria uma parceria público-privada. O público continua com seus órgãos de controle buscando coibir ou punir atos de corrupção, e o privado se engaja nesse trabalho também e passa a desenvolver internamente projetos de controle ou de prevenção de atos corrupção. Essa é a ideia do compliance. 

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Em que pé está o compliance no Brasil?  

O compliance está começando no Brasil. Tem um campo enorme ainda para evoluir e, por incrível que pareça, o veneno e o remédio têm a mesma origem e o que muda é a dosagem. E que, por exemplo, com a Lava Jato, com esses atos de repressão aos atos de corrupção que foram praticados, isso serviu de alerta para as empresas que agora tentam se precaver e se prevenir contra atos de corrupção para evitar as sanções que eles tiveram.  

E a relação com o setor público?  

O setor público tem um sistema macro de prevenção, apuração e reparação de ilícitos. Esse mesmo sistema é transplantado para o setor privado, só que em uma escala de micro, então é uma micro central de prevenção de atos de corrupção. E a ideia é que eles trabalhem em conjunto mesmo. O Estado quando atua sobre a economia ele regula.

Você tem três formas do Estado atuar: regulando tudo, o que não deu certo, e a Lava Jato está aí para demonstrar que não deu certo; o privado faz a sua própria autocontenção sem que o que o Estado intervenha, e também não deu certo porque está aí a Lava Jato para dizer que não deu certo. O que se busca agora no Brasil e no mundo inteiro é um negócio chamado autorregulação regulada. É o trabalho conjunto de Estado e iniciativa privada na prevenção do combate aos atos de corrupção e lavagem de dinheiro. 



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