Minirreforma eleitoral: nos últimos 10 anos, Congresso mudou regras às vésperas da eleição

Deputados e senadores se debruçam em mais um ano em Brasília para alterar as regras eleitorais para 2024

Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Aprovada em 1997, a Lei das Eleições sofre mudanças de dois em dois anos – que é quando ocorrem as eleições municipais e gerais. As alterações, algumas vezes necessárias até, acontecem de forma açodada e sem debate – transmitindo, assim, para a sociedade um prejuízo de credibilidade quanto às reais intenções das reformulações no apagar das luzes. 

Neste ano de 2023, uma série de mudanças estão em pauta no Congresso Nacional. Logo se vê que a 'minirreforma' como se chama de 'mini' não tem nada. São grandes e profundas mudanças que podem transformar a rotina eleitoral para os próximos anos – até, claro, a próxima reforma da lei. 

Dados dos pesquisadores Arthur Fisch e Lara Mesquita, da Fundação Getúlio Vargas, e revelado pelo O GLOBO, mostrou que, entre 1999 e 2023, a Lei foi alterada 19 vezes. É uma mudança a cada 15 meses.  

A coluna fez um levantamento dos últimos dez anos do período de quando a matéria entra na pauta dos deputados e senadores para a discussão. 

A pesquisa, que teve como base os portais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, confirmou a hipótese de que há uma inexplicável pressa na análise e definição das mudanças eleitorais. 

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Para o leitor entender melhor esse rito, as mudanças com impacto na rotina das campanhas eleitorais, de acordo com a Justiça Eleitoral, precisam ser aprovadas e sancionadas pela presidência da República pelo menos um ano antes da data da eleição.  

Ou seja, para passar a valer na disputa eleitoral seguinte, o Congresso Nacional entra em uma corrida contra o tempo para validar as alterações na legislação. É o que o Brasil viu acontecer na última década. 

Nas últimas cinco eleições, apenas as mudanças realizadas em 2013 não entraram em vigor para as eleições gerais em 2014, muito embora os esforços tenham sido com a mesma intenção dos outros anos.  

Em 2015, 2019 e 2021, os projetos foram aprovados e encaminhados para a sansão ainda em setembro. Já em 2017, as mudanças foram alinhadas em outubro – às vésperas do vencimento do prazo exigido. 

Os registros só reforçam que os "ajustes" na Lei das Eleições nunca ocorrem com amplo debate e tempo necessário para a discussão sobre as regras vigentes. 

As mudanças foram profundas ao longo dos últimos anos. A coluna elencou algumas delas durante esse período. 

Mudanças de 2013 

  • Convenções partidárias – A reforma reduziu o tempo das convenções partidárias, que ficaram fixadas no período de 12 a 30 de junho do ano das eleições, em vez do período de 10 a 30 de junho. 
  • Substituição de candidatos – Tanto nas eleições majoritárias quanto nas proporcionais, a substituição só se efetivará se o pedido for apresentado até 20 dias antes do pleito. Anteriormente, o prazo era de 60 dias para as eleições proporcionais e não havia prazo para as eleições majoritárias.  
  • Uso de redes sociais – O projeto liberou a campanha nas redes sociais e passou a considerar crime a contratação de grupo de pessoas com a finalidade de emitir mensagens ou comentários na Internet para ofender a honra ou prejudicar a imagem de candidato, partido ou coligação. 

Mudanças de 2015 

  • Cassação de registro - As decisões dos Tribunais Regionais sobre quaisquer ações que resultem em cassação de registro, anulação geral de eleições ou perda de diplomas somente poderão ser tomadas com a presença de todos os integrantes. E, no caso de ocorrer impedimento de algum juiz, será convocado o suplente da mesma classe. 
  • Novas eleições - Uma das medidas determina que a decisão da Justiça Eleitoral que resulte no indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, haverá realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados. O parágrafo 4º, por sua vez, diz que essa eleição será custeada pela Justiça Eleitoral e será indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato, e direta, nos demais casos. 
  • Propaganda eleitoral - Segundo a nova regra do artigo 240 do Código Eleitoral, a propaganda de candidatos a cargos eletivos somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição. Antes, essa propaganda podia ser iniciada após a escolha dos candidatos em convenção.

Mudanças de 2017 

  • Teto de gastos - A minirreforma eleitoral aprovada neste ano impõe como teto de gastos para presidente da República R$ 70 milhões; para deputado federal, R$ 2,5 milhões; e para deputado estadual e distrital, R$ 1 milhão. A campanha para governador terá seis faixas de tetos de gastos, segundo o número de eleitores de cada unidade da Federação, variando de R$ 2,8 milhões a R$ 21 milhões. Candidatos a senador poderão gastar de R$ 2,5 milhões a R$ 5,6 milhões, enquadrados em cinco faixas segundo o número de eleitores em cada unidade da Federação. 
  • Doações - Considerou inconstitucional a doação de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais. Em relação às pessoas físicas, fica proibida a doação daquelas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, com exceção dos filiados ao partido político. 
  • Financiamento coletivo - Os candidatos poderão fazer o uso de financiamento coletivo (crowdfunding) para arrecadar recursos de campanha. Essa ferramenta já é usada por startups para angariar recursos destinados ao desenvolvimento de seus projetos. 
  • Sobras de vagas - Outra mudança é que todos os partidos que participaram do pleito poderão concorrer à distribuição dos lugares não preenchidos com a aplicação do quociente partidário. Atualmente, apenas os partidos que alcançaram o quociente eleitoral podem concorrer a essas vagas. A nova regra abre a possibilidade para a participação de partidos com votações menores. 

Mudanças de 2019 

  • Limite de gastos - A mudança definiu que o valor máximo para prefeito passou a ser equivalente ao limite para os respectivos cargos nas eleições de 2016 atualizado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), aferido pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ou por índice que o substituir. Nas campanhas para segundo turno das eleições para prefeito – onde houver –, o limite de gastos de cada candidato será de 40% do limite previsto na lei. 
  • Doações para partidos políticos - Ainda segundo a Lei nº 13.877, os partidos políticos poderão receber doações pelo seu site na internet, por meio de plataformas que permitam o uso de cartão de crédito, de cartão de débito, de emissão on-line de boleto bancário ou, ainda, de convênios de débitos em conta.  
  • Impulsionamento - Com relação à atividade eleitoral, a Lei nº 13.877 permite ainda que as agremiações contratem, com o dinheiro do Fundo Partidário, o impulsionamento de conteúdos diretamente com provedor de aplicação de internet com sede e foro no Brasil. 

Mudanças de 2021 

  • Fidelidade partidária - A PEC constitucionaliza a fidelidade partidária, mudança promovida pelo texto encaminhado pelos deputados. Pela nova regra, deputados federais, estaduais e distritais e vereadores que saírem do partido pelo qual tenham sido eleitos não perderão o mandato se a legenda concordar com a saída. Hoje, ao trocar de partido, esses parlamentares mantêm o mandato apenas em caso de “justa causa” — que inclui, segundo a Lei 9.096, de 1995, “mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; grave discriminação política pessoal; e durante o período de 30 dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição”.  
  • Incorporação - Outra mudança é em caso de incorporação de partidos. A legenda que incorpora outras siglas não será responsabilizada pelas punições aplicadas aos órgãos partidários regionais e municipais e aos antigos dirigentes do partido incorporado, inclusive as relativas à prestação de contas. 
  • Consultas populares - A PEC define ainda a realização de consultas populares sobre questões locais junto com as eleições municipais. Essas consultas teriam que ser aprovadas pelas câmaras municipais e encaminhadas à Justiça Eleitoral em até 90 dias antes da data das eleições. As manifestações dos candidatos sobre essas questões não poderão ser exibidas durante a propaganda gratuita no rádio e na televisão. 

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O que vem por aí com as mudanças de 2023? 

Para 2024, os congressistas discutem uma séria de modificações. Entre elas, estão alterações quanto à inelegibilidade. O projeto quer alterar o período de inelegibilidade em caso de punições da Justiça Eleitoral. Hoje, os políticos acometidos dessa consequência, aguardam o fim do mandato para começar a cumprir a punição. Com a mudança, a punição seria imediata, ou seja, reduzindo o tempo fora da vida pública e antecipando o retorno desse candidato. 

A previsão é que mudem também a possibilidade de candidaturas coletivas. A matéria também quer proibir as candidaturas coletivas, que ficaram tão comuns nos últimos pleitos, apesar de não ter legislação vigente sobre a metodologia de mandato.  

O texto passa a desobrigar a prestação de contas parciais – aquela que ocorre durante as campanhas eleitorais. Isso prejudica a transparência pública, além de disponibilizar dinheiro do fundo partidário para comprar ou alugar veículo automotor, embarcação e aeronave, combustível e manutenção, "desde que comprovadamente a serviço do partido". 



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