Enquanto o preço da gasolina ruma desenfreado e bate novos recordes inflacionários, o presidente Jair Bolsonaro continua firme no discurso de esquivar o Governo Federal de responsabilidade e jogar esta pauta-bomba para os estados.
Diante do novo salto nos postos - no Ceará já há estabelecimento comercializando o litro do combustível a impressionantes R$ 6,39 -, o mandatório chegou a comparar, na segunda-feira (17), o ICMS (Imposto estadual sobre Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços) incidente sobre a gasolina com um estupro.
Para além desta analogia abjeta, com o selo indecoroso já conhecido do prócer, Bolsonaro investe, desde que a gasolina iniciou a trajetória inflacionária, em uma narrativa, ecoada por seus asseclas, para culpar os estados pelo encarecimento.
Trata-se de exercício manjado desta gestão: criar sempre um antagonista claro e atribuir a este adversário ferrenho o fardo de tudo que é negativo, desviando-se da construção de uma solução concreta para o problema em questão.
Alíquota do ICMS é a mesma desde 2015
De acordo com a Petrobras, do preço pago pelo consumidor final na gasolina:
- 32% (a maior fatia) são de "realização da Petrobras"
- 28% são referente ao ICMS (no caso do Ceará, 29%, sendo 2% destinados ao fundo de combate à pobreza)
- 14% da Cide, PIS/Pasep e Cofins (tributos federais)
- 14% de custo do etanol anidro
- 12% de custos de distribuição e revenda.
Não se questiona, portanto, que o ICMS imprime um peso relevante sobre o valor final da gasolina. Isto é fato. Mas vamos a outros fatos.
No ano passado, de acordo com a ANP (Agência Nacional do Petróleo), o consumidor cearense pagou em média R$ 4,73 pelo litro do combustível. Rebobinando um pouco mais, chegamos a 2015, quando o valor médio era de R$ 3,86.
Por que é importante relembrar estas cotações antigas? Ora, em todos estes casos supracitados, a alíquota de ICMS sobre a gasolina era igual à de hoje. Desde 2015 a fração do tributo estadual está inalterada.
Logo, por óbvio, as recentes disparadas (no caso do Ceará, preço médio de R$ 5,72 na semana encerrada em 15 de maio) foram desencadeadas por fatores alheios ao ICMS, como a política de preços da Petrobras e o próprio comportamento mercadológico do petróleo no exterior, além da valorização do dólar ante o real.
Infográfico: evolução no preço médio no Ceará
Questão exige debate sério e técnico
Embora tal constatação sirva para desconstruir a narrativa falaciosa, belicosa e politiqueira do presidente, cabe ponderar que, sim, o ICMS precisa estar nas discussões técnicas para um caminho que torne a compra de combustíveis menos espinhosa para o cidadão.
No entanto, este debate precisa ser amplo e edificativo, e não um fla-flu verborrágico. As discussões em torno da reforma tributária deveriam funcionar como cenário ideal para a elaboração de uma proposta séria quanto à composição dos preços dos combustíveis, mas não se vê este esforço partindo de lado algum.
Nesta complexa equação, para que a conta não sobre sempre para a ponta final - o contribuinte -, os entes precisam ceder, e isso inclui todos os partícipes. Enquanto a batata quente ficar sendo arremessada de Bolsonaro para os governadores e vice-versa, nada mudará na prática.
Conforme já se deveria ter aprendido com a pandemia, guerras narrativas e ideológicas, a maioria delas com nascedouro no Planalto, são incapazes de transpor obstáculos reais.
Para superá-los, é preciso empenho político, capacidade de articulação, abertura ao diálogo, ímpeto de execução, rigor técnico e outros dispositivos básicos que deveriam ser imanentes a um gestor público.