Menina Benigna e a santa defesa da dignidade

Benigna é um alento que leva a mulher pela mão e diz que ela não precisa passar por aquilo, que ela não é inferior e que tem direitos e leis que a protegem

Legenda: A menina Benigna Cardoso, morta brutalmente aos 13 anos, será a primeira cearense a ser beatificada
Foto: Antonio Rodrigues

Oitenta anos atrás, a cidade de Santana do Cariri vivenciava um dilacerante episódio de violência sexual. Uma menina, de apenas 13 anos de idade, era insistentemente “cortejada” por um colega de escola. Por repetidas vezes, a criança, dentro das possibilidades que sua pouca idade lhe dava, tentou se desvencilhar do tal colega. Em determinado momento, a menina não conseguiu. Foi vítima da fúria e do machismo que se acredita dona do corpo das mulheres e crianças. O rapazote, chamado Raul, assediou Benigna e desferiu golpes de faca contra ela, levando-a à morte.

A comoção tomou conta da cidade. A menina foi tida como milagrosa, ganhou devotos e sua história foi levada ao Vaticano. Hoje está a um passo da beatificação. No imaginário popular, já é santa. Inicialmente, Benigna foi vista como um símbolo de castidade. Mas – ainda bem – a sociedade evolui e ressignifica seus símbolos. Hoje, ela é exemplo de resistência e de enfrentamento à luta contra a mulher. 

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Nas romarias do Cariri, o túmulo de Benigna recebe a visita de mulheres que fogem da violência que diariamente machuca e mesmo mata mulheres. A história de Benigna e o que ela causa entre suas devotas nos fala sobre sororidade. Sim, sororidade. Essa palavra diferente que já foi tendência e hoje precisa de cuidado ao ser usada. 

A devoção à menina fala sobre uma rede de apoio que nós mulheres passamos a buscar umas nas outra quando entendemos que a luta contra a violência contra a mulher ganhou as ruas, e virou motivo de criação de leis de proteção a nós, mulheres. 

Não é mais somente se apegar à santa em um momento de agrura. Não é somente se apegar ao divino enquanto suplica para aguentar mais a violência. Benigna é um alento que leva a mulher pela mão e diz que ela não precisa passar por aquilo, que ela não é inferior e que tem direitos e leis que a protegem.

Ver essa menina como um símbolo de resistência das mulheres reconhecida em uma instituição como a Igreja Católica tem uma força especial. É o nascimento de uma santa pela narrativa das mulheres, é a compreensão feminina de que a violência sofrida pela Benigna não era aceitável na época, como não é hoje. Feita santa, Benigna não será uma defesa da castidade, mas da própria dignidade de todas as mulheres.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.