Era um dia normal. Acordei, fiz café, tapioca e sentei para desfrutar da primeira refeição do dia antes de começar a trabalhar. Abri o celular para checar as mensagens e vi que tinha um áudio: “Oi, Socorro, Malu. Queria muito falar com você, me diz uma hora que eu posso te ligar”. Respondi naturalmente: “Oi, Malu, estarei em casa o dia todo hoje, pode ligar a qualquer hora”. E só depois me dei conta: era um áudio da atriz que eu idolatrava desde adolescente.
Lembrei perfeitamente de mim em 1990 assistindo a novela Top Model sentada no chão da sala, quase dentro da televisão. Se algum adivinho dissesse que em 2021 existiria celular, WhatsApp e a voz da Malu Mader falando comigo, certamente eu acharia impossível. Os saltos e as mudanças do mundo são inimagináveis.
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Eu era fascinada por ela. A Malu Mader fazia o papel de Duda e passou a novela toda sofrendo por amor com dignidade, era bonito de ver. Olhava nos olhos dos rapazes e dizia coisas com muita segurança. Desconcertava o Taumaturgo Ferreira. Não tinha medo de dizer que amava, ou que não queria mais, lutava pelos seus sonhos, tudo no alto da sua segurança e beleza.
E eu, com quatorze pra quinze anos, achava o máximo. O que toda adolescente quer é ser segura assim. Queria muito pedir conselhos pra Duda/Malu, contar minha vida toda.
Chorava quando ela estava mal e tocava aquele sucesso do Djavan, “Oceano”. Até hoje essa música acaba comigo. Vivia intensamente a mágica da dramaturgia, de acreditar que a história é real, que os sentimentos são legítimos e que aquela personagem poderia um dia ser minha amiga. Minha família atravessava um momento muito difícil. Ver “Top Model” era nosso momento de algum alívio.
Trinta anos depois cá estou eu, de amizade com a Malu Mader. O assunto da conversa, para quem ficou curioso, foi literatura: o livro do meu aluno Stênio Gardel, “A palavra que resta”, a nossa relação com a leitura na pandemia, a importância de ler poesia.
Ela me conhece por causa do que escrevo. Adorou minha crônica de amor do dia dos namorados. Coisas de Santa Clara, padroeira da televisão.
Se eu voltasse no tempo, contaria pra moça de quinze anos que eu fui que a vida muda, que nenhuma dor dura pra sempre. Que é preciso ser forte, mas nunca ter medo de amar, mas “amar é um deserto e seus temores”. É impressionante como, dentro da mesma vida, tudo se transforma.
É quase como morrer e renascer várias vezes. Aconteceu com Malu, também. E para as duas, a arte foi uma salvação permanente.
Trabalhar com arte é atravessar um mar de muitas incertezas, mas alguns momentos específicos mostram como tudo faz sentido. A arte constrói pontes, estradas, abre oceanos, aproxima mundos apartados e faz acontecer coisas lindas, como essa amizade improvável. Agora eu posso mesmo pedir conselhos à Malu Mader. Quem diria.
* Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.