Quando o artista plástico Sérgio Helle começou a prestar atenção no que a natureza nos ensina sobre a morte, estava antevendo um tempo. Há alguns anos estive no seu ateliê e vi de perto o começo da percepção e método criativo que resultou na exposição Águas de Março. Seu olhar estava voltado para as folhas e flores mortas, em processo de desidratação e mudança de forma, nas cores esmaecendo do verde para os tons de terra. As pinturas a partir das fotografias produziam um efeito de congelar o tempo ao redor de nós. Ali jazia uma folha grande, que agora se encolhia no feitio de uma concha, uma nova beleza.
No primeiro olhar para uma dessas folhas, ele viu o invisível.
Enquanto estamos ocupados com as questões práticas e urgentes da vida, as invenções humanas, a forma como nossa sociedade organizou o tempo, a natureza está executando os seus ciclos dentro de uma lógica perfeita.
Enquanto as florestas organizam em silêncio a sua perfeição, o Antropoceno é um acúmulo de imensas tragédias.
Entre os erros humanos e a sabedoria da natureza, o artista se posiciona, atento e curioso. A arte é um gesto de olhar e ver o invisível das coisas e das pessoas. Sérgio Helle anteviu um tempo de sombras e agora entrega ao público uma exposição sobre a esperança. Os trabalhos que compõem as salas das Águas de Março são metafóricos nesse momento em que a humanidade está diante dos olhos da morte. Há um tronco marcado por símbolos, com fogo e parece muito ao que vamos nos tornando com a vida. As coisas nos marcam também para trazer beleza.
Se há fogo e madeira, há também o vento e a rocha, os pássaros incrustados nas peças de pedra Cariri. Animais pequenos e frágeis, colorindo o mundo, doando seu canto sem pedir nada em troca. Os trabalhos em fundo escuro organizam os buquês de flores e folhas mortas como se fossem o desenho dos nossos destinos: são belos. De repente a sala de exposições transforma-se em um texto, um recado da floresta nos dizendo tanto, um sussurro entre as paredes, uma experiência de forte imersão.
O ponto alto está na última sala, onde foi reproduzida a serrapilheira. Esta palavra derivada do latim significa o chão das coisas mortas que voltarão a viver, a assimilação do que cai no solo, o vaticínio bíblico do Gênesis: “é no suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás.”
A serapilheira é um manto de proteção do solo, uma cobertura do que caiu das árvores e agora retoma o ciclo natural de morrer e renascer. Acredito que estamos chegando na fase do renascimento, depois do fim real e metafórico de muitas vidas. Uma ressurreição depois de um longo período de mergulho no invisível. O vírus, as razões, o destino são coisas que não se pode ver. A natureza é de outra ordem, está diante dos nossos olhos. A exposição de Sérgio Helle é a transposição dessas mensagens usando a cor, a luz, o fogo, a pedra, a folha, a flor, em direção ao sublime.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.