Zé Celso nunca sairá de cena, ele é a cena

Grande referência no teatro nacional, José Celso Martinez foi um divisor de águas na minha trajetória artística

Legenda: Tenho um orgulho imenso de dizer que As Travestidas nascem da referência que esse grande mestre
Foto: Gustavo Pellizzon / Agência Diário

Quando comecei a fazer Teatro, havia uma Santíssima Trindade na dramaturgia e encenação brasileira, no qual todo ator e atriz tinha a obrigação de conhecer: Antunes Filho, Gerald Thomaz e José Celso Martinez.

Antunes, eu só tive contato através dos espetáculos que pude assistir em festivais ou pelas histórias que ouvia de artistas cearenses que tinham participado de seus cursos em São Paulo. Gerald, só conheci através da literatura do teatro brasileiro e por meio de espetáculos em vídeo. Zé Celso não, esse foi o único que tive a imensa oportunidade de conhecer de perto.

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Minha primeira experiência foi quando o Teatro Oficina Uzyna Uzona reconstruiu sua estrutura na cidade de Quixeramobim, em 2007, para apresentar o espetáculo Os Sertões. Posso dizer que este foi um grande acontecimento na história do teatro brasileiro, porque além de levar toda a grandiosidade e revolução poética para o sertão cearense, foi também uma verdadeira celebração e crítica sobre a história política, social e artística nacional.

Depois dessa experiência catártica, passei a ficar obcecado pelo teatro-festa de Zé Celso, sempre tão apoteótico e crítico. Passei a tê-lo como uma de minhas principais referências em meus trabalhos. Foi assim com a peça Alice, minha primeira encenação no Curso Princípios Básicos de Teatro (CPBT) do Theatro José de Alencar, no qual ministrei em 2009.

Entretanto, foi em 2011 que Zé ganhou extrema importância na minha formação, quando a então diretora do José de Alencar, Izabel Gurgel, realizou uma temporada do Teatro Oficina com o projeto As Dionisíacas, em Fortaleza. Tratava-se de uma série de atividades como palestras, oficinas, intercâmbios e, claro, os espetáculos apresentados no palco principal do Theatro.

Neste mesmo período, eu estava ensaiando Cabaré da Dama, meu primeiro espetáculo em grupo oriundo do monólogo Uma Flor de Dama, no qual eu me apresentava no porão do TJA ao lado de Verónica Valenttino, Alicia Pietá, Deydianne Piaf, Yasmin Shirran e outras artistas.

Após a experiência e o contato intensivo com o elenco do Oficina, os espetáculos e os encontros com Zé, decidi que, a partir do projeto As Dionisíacas, o Ceará ganharia As Travestidas.

Estreamos com o espetáculo: Engenharia Erótica - Fábrica de Travestis, com uma encenação em formato de teatro passarela, em alusão à estrutura do Oficina.

Então me vejo assim: filho do pedreiro Zé Granduá, cria do teatro Zé de Alencar e formado a partir do teatro de Zé Celso. Tenho um orgulho imenso de dizer que As Travestidas nascem da referência que esse grande mestre teve em nossas vidas e mais ainda de tê-lo para sempre como um divisor de águas, um norteador do meu fazer artístico.

Sempre que tenho a oportunidade de estar em São Paulo, é no Teatro de Zé que gosto de ir. Inclusive, estou passando uma temporada agora e no último sábado estive lá para assistir Mutação de Apoteose que, mais uma vez, me arrebatou e me renovou a vontade de continuar sendo um ator de teatro.

Preciso contar que essa partida e tudo o que aconteceu mexeu muito comigo, porque nesse momento estou gravando um filme justamente no Teatro Oficina. É a primeira vez que adentro esse teatro-terreiro-templo sagrado pelas entranhas, pelas veias, pelas coxias e é tudo muito mágico. Descobrir um teatro “por dentro” é mágico!

Então, a partida de Zé nesse exato momento me chega como um nó atravessado, não há muito o que explicar. Zé nos deixa a partir de uma tragédia quase inacreditável.

A história do teatro mundial sofre um luto gigantesco com a saída de cena de um gênio dionisíaco, mas corrigindo minhas palavras, e como o próprio Zé sempre fez questão de trazer à cena: não é só em corpo físico que se faz teatro, é com energia, ancestralidade, fé e festa.

Zé nunca sairá de cena! Zé é a cena!

Pra sempre, José Celso Martinez!

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor