Talvez eu esteja velho demais

Legenda: Cena do filme "Os Fabelmans", de Steven Spielberg
Foto: Divulgação

Cinema é uma obra artística e toda arte é resultado de um processo que parte de uma ideia criativa, passa por uma artesania, uma produção e chega, enfim, ao público com sua exibição/exposição. Uma obra artística só está completa quando atinge a fase final, porque, assim como não há arte sem artista, tampouco há arte sem público.

Claro que nem toda obra de arte vai atingir 100% de sucesso. Fazer arte é uma coisa, ter fama é outra bem diferente, até porque produzir um filme ou um espetáculo de teatro, dança, uma exposição ou um disco não é garantia de projeto exitoso, de grande repercussão e aceitação do público, mas acredito muito nessa ideia de que para existir arte, precisa-se do artista e do espectador.

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Por outro lado, penso também que nem sempre o público será um exímio medidor de qualidade artística. Muitas vezes, acabamos encontrando pelo caminho pessoas extremamente desrespeitosas. E o que era uma “obra/artista fracassado”, trata-se, na verdade, somente da opinião de pessoas mal educadas e imaturas.

Em minha última experiência no Cinema, assisti a pré-estreia do filme Os Falbemans, com roteiro e direção do premiadíssimo e aclamado Steven Spielberg. A sessão foi programada para convidados com o intuito de divulgar o período em cartaz e atrair mais espectadores. Assim, me vi em uma sala rodeado de jovens influenciadores digitais como forte potencial para trabalhar essa divulgação e espalhar “a sétima arte”, mas não foi o caso.

Antes de iniciar a sessão, a plateia foi surpreendida com um depoimento do próprio Spielberg falando ser este filme uma homenagem à sua família e a arte de fazer cinema. Porém, mesmo com cenas deslumbrantes e discursos sobre amor, família e sonhos, não consegui me concentrar no filme. Tive extrema dificuldade de absorver a história e atmosfera do filme por conta de vários desses jovens na plateia mais concentrados em deslizar os dedos pelas redes sociais.

Sempre falo de como considero o palco do teatro um lugar sagrado e acredito que todos os lugares artísticos são assim, seja um museu, um estúdio de gravação, um set de filmagem, uma galeria de arte, um palco de show ou uma sala de cinema. Entro naquele ambiente para receber o que aqueles artistas prepararam para a nossa conexão. Nesse dia, não consegui.

Meus olhos e minha mente eram o tempo inteiro atravessados pelos celulares e pelas fotos para render likes, as poses nas poltronas do cinema para parecerem um tanto mais “cults” ou - pior ainda – o enorme e imparável falatório que infringia a maior lei do cinema: o silêncio. Inclusive, logo atrás de mim, uma garota passou o tempo inteiro

reclamando da duração do filme e seus acompanhantes fazendo piadas inconvenientes em uma nítida tentativa de serem ouvidos pelo restante da plateia para emplacarem uma frase de efeito.

Escrevo hoje não porque me incomodo com a estratégia de formação de plateia a partir da Geração Influencer, pelo contrário, também sou consumidor de conteúdo e seguidor de vários profissionais que além de serem engraçados, são inteligentes e promovem conteúdos que vão do entretenimento à política, mas é preciso ter respeito e discernimento sobre local e hora.

Não é sobre o filme que perdi ou a defesa de um diretor de cinema que não precisa de defesa, é que muito provavelmente essas mesmas pessoas frequentam outros espaços de arte, outros filmes, outros espetáculos, outros shows e, muito provavelmente, são tão desrespeitosos quanto, seja com o trabalho, seja com quem está ali para ver a arte ou o artista.

Sim, talvez eu, com meus 40 anos, esteja velho demais pra não entender que os tempos mudaram e que agora as coisas aconteçam assim, sem dar muita importância aos rituais, às regras. Talvez pouco importa para os contratantes como a Geração Influencer se comporte, desde que traga audiência. Talvez, antes de mais nada, é melhor que o filme esteja estrelando os stories de alguém com muitos seguidores.

Talvez produzir música hoje precise mesmo bombar primeiro no TikTok durante um mês e depois todo mundo esquecer. Talvez precisamos mesmo correr para repercutir o quanto antes a piada ou o meme da semana para não ficar de fora. Talvez seja melhor mesmo aguentar todo o ódio e o desrespeito que é lançado gratuitamente na internet, afinal, é isso que gera engajamento. Talvez seja esse o estranho futuro da arte ou o empobrecimento intelectual.

Sim, acho que eu estou velho e atrasado demais pra isso, ainda que eu me considere atualizado, mas é que, felizmente, eu aprendi a ser artista apreciando a obra, respeitando o artista e tendo consciência do espaço do espectador ao meu lado. Ninguém é obrigado a ir ao cinema e gostar de um filme, mas você tem o dever de não atrapalhar a experiência do outro, de não desrespeitar o trabalho do outro.

Nem todo espaço é “instagramável”. Nem todo lugar é feito para “produções de conteúdo”. Ainda bem.

 

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor