Retornar aos palcos para retornar à vida

O quanto isso foi significante pra mim, eu não consigo mensurar

Era dia 7 de novembro de 2021, quando saí de Fortaleza rumo a Teresina, no Piauí. Havia chegado o meu momento de retornar aos palcos, um marco na minha vida e na minha carreira. O espetáculo BR-TRANS voltava às ativas de forma presencial e fez casa cheia no Teatro 4 de Setembro.

Entrei no teatro pisando devagar, como se tentasse sentir cada pedaço do lugar. Senti o cheiro da coxia e a luz do camarim. O nervosismo tomava conta. Parecia que era a minha primeira vez. De certa forma, era. Afinal, são dois anos de abstinência, sem contato com o público. Tudo parecia assustador, mas assustadoramente bom.

Ingressos esgotados, dentro da quantidade permitida. Uma plateia ávida por arte me aguardava usando máscara e com comprovante de vacina na mão. Nos bastidores, uma equipe pequena toda de máscara, vacinada e testada. No palco, eu e Rodrigo Apolinário, músico que me acompanha. O quanto isso foi significante pra mim, eu não consigo mensurar.

Veja também

O espetáculo começou e fui sendo conduzido por tudo aquilo que sempre me fez um “ser do teatro”: a paixão pelo meu ofício, o desejo de contar histórias e causar empatia, catarse, questionamento e provocação. Tudo novo, de novo e o coração fervendo de emoção.

Existe um novo ritual no fazer artístico pandêmico, que é cumprir com todos os protocolos de segurança contra a Covid-19. Acredito que estamos mais conscientes, mais informados e mais preparados para enfrentar a situação. Para seguirmos produzindo e apreciando, nós - artistas e público - não podemos baixar a guarda. O caminho continua sendo o de respeito por todas as estratégias científicas desenvolvidas.

Depois dessa experiência, segui para o Rio de Janeiro e aqui, de onde escrevo essa coluna atualmente, fui convidado para o show “Pontas da Estrela”, de Gal Costa, no Espaço Vivo Rio. Nesse momento, já não era mais o Silvero artista, mas, sim, o espectador. E posso afirmar com segurança, como nenhum protocolo de saúde minimizou ou prejudicou o evento. Fui arrebatado pelas canções e pela presença de Gal.

A música entrava pelos meus ouvidos, reverberava pelo meu corpo e saía pela minha boca como um grito de esperança. Pude sentir uma conexão quase divina. Gal Costa é, de fato, uma diva. Transbordei de emoção e chorei como uma criança. Choro de quem sabia que estava vivo, presente e ao lado de inúmeras pessoas cantando e ouvindo uma das maiores estrelas do Brasil. Ao final, abracei meu amigo e o agradeci pela oportunidade de celebrar a vida e a arte.

Escolhi ser artista há 24 anos. Acredito que a arte me salvou. Não foi um processo fácil para um jovem do interior e de família pobre convencer a todos de que era importante investir numa profissão que sempre foi taxada de passatempo ou hobby. Para ser um profissional de arte nesse país é preciso ser um guerreiro, porque a luta é sempre muito cruel.

Retornar aos palcos, seja no teatro, seja na música, não trata de uma decisão somente da classe artística. Nem somente porque assim desejamos. Os teatros estão cheios, os cinemas estão funcionando, os shows estão a todo vapor, porque só se faz arte se tiver público e esse ato de respiro, fôlego, esperança e vontade de viver é de todos nós.

 

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor