Esses dias, em uma rede social, me deparei com algumas perguntas um tanto inquietantes e reflexivas enviadas por seguidores: Silvero, com quantos anos você se assumiu? Quando você acha que posso ter coragem de mostrar quem sou?
Bom! Eu, imediatamente, respondi que me assumi tardiamente, inclusive já escrevi sobre isso aqui na Coluna outras vezes. Foi lá pelos meus 20 e poucos anos e acho que demorei a fazer isso, porque eu já sabia há muito tempo, mas não tinha coragem de falar abertamente.
Me assumir foi um processo muito doloroso, porque eu sempre fui uma criança viada e desde sempre tive todos os trejeitos, cumpri todos os pré-requisitos pra garantir a minha carteirinha do vale dos homossexuais. Isso me trouxe inúmeras violências, piadinhas e brincadeiras de péssimo gosto.
Veja também
O fato é que mesmo sem entender exatamente o que significava ser gay, eu me entendia como um corpo defeituoso, pecaminoso, desvirtuado… Afinal, eram essas as palavras que eu ouvia durante a infância sobre um corpo gay.
Além do que familiares, vizinhos e colegas de escola me chamavam, ainda tinham as violências físicas noticiadas nos jornais e as diversas atitudes homofóbicas que presenciei durante o período que vivi no interior do Ceará. Todo esse contexto sempre me causou um pavor muito grande e reforçou minha decisão de ser “incubado” por tantos anos.
Com o passar dos anos e já morando em Fortaleza, fui conhecendo pessoas que viviam suas sexualidades com intensidade e liberdade, a maioria sendo “aquele povo do teatro”. Entretanto, mesmo convivendo com elas, eu ainda não tinha coragem de me assumir.
Minha saída do armário só aconteceu quando eu obtive uma condição social e financeira na qual eu julgava favorável e oportuna. Não depender do dinheiro de ninguém me trazia a ilusão de que “agora ninguém vai poder falar de mim” - o que também é muito violento quando paro pra pensar hoje.
Imagina você precisar se provar de diferentes formas para que a sua sexualidade seja levada apenas como um detalhe, como mais uma característica sua e não como o todo de quem você é. Qual hétero precisa ganhar dinheiro ou ascender socialmente para que ninguém ria dele por isso?
Pois é, comigo foi assim. Primeiro, falei somente para amigos íntimos, pessoas que eu confiava (sempre é assim). Depois, quando já estava morando sozinho, trabalhando e tendo uma vida independente, ganhei coragem de enfrentar os familiares e falar abertamente sobre minha sexualidade.
E com isso chego no segundo questionamento que me fizeram: quando alguém deve criar coragem de se assumir?
Comecei esse nosso papo falando da minha experiência exatamente porque acredito ser esse um processo muito individual. A gente pode conseguir redes de apoio, conversar com as pessoas, mas no meu ponto de vista, nunca forçar alguém a assumir a sua sexualidade.
Isso porque, por mais que saibamos dos benefícios de ser uma pessoa livre e abertamente assumida de seus desejos, é extremamente importante não esquecer que cada indivíduo tem uma história particular, um contexto social e familiar.
É importante que nunca falemos em nome de alguém, por mais gentil que seja nossa intenção. Podemos falar em defesa do outro, abordar nossa própria experiência, as vantagens que se tem de atravessar a linha da vergonha e ter orgulho de ser quem se é, mas nunca, em hipótese alguma, obrigar o outro a ser como você, arrancar alguém do armário.
A decisão de sair do armário é individual e intransferível. Só a gente sabe as dores e as batalhas que vamos precisar enfrentar quando as portas se abrirem. Ter orgulho de si é também um processo de construção, se aprende. Então, que estejamos mais preparados para construir o sentimento de orgulho, de segurança de ser LGBTQIAPN+ do que a violência de arrancar pessoas do armário e jogar na cova dos leões.
Hoje, 28 de junho, Dia do Orgulho, que possamos olhar com mais cuidado e responsabilidade para aqueles que virão para o nosso lado. Do lado de cá, sigo orgulhoso de mim, de nós.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor