O ator gay que só interpreta gay
O que leva alguém a achar que um motorista e drag queen no Rio de Janeiro da atualidade de 2017 é exatamente do mesmo jeito que um homem da década de 50, com filho e esposa?

Comecei o ano de 2025 com um novo projeto. Agora faço parte do elenco da novela "Garota do Momento", folhetim das 18h, na Globo. Essa é a minha primeira novela de época e eu estou muito feliz por fazer parte. Acontece que assim que meu personagem foi anunciado, choveram inúmeros comentários e matérias sobre eu estar voltando às novelas, mais uma vez, com um personagem LGBTQIAPN+.
A minha estreia na teledramaturgia se deu com Nonato e Elis Miranda, duas facetas do mesmo personagem na novela "A Força do Querer", de Glória Perez. Na trama, Nonato escondia de seu patrão que era uma artista drag queen. Anos depois, fui escalado para viver Zaquieu, um peão gay no remake da novela "Pantanal", de Bruno Luperi.
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Já em "Garota do Momento", meu trabalho é interpretar Érico, um homem que abandonou seu filho Carlito e sua esposa Marlene para viver o sonho de ser uma artista transformista de sucesso. Após alcançar o estrelato, ele retorna em busca de resgatar suas relações familiares sem medo de assumir o seu trabalho e sua verdadeira sexualidade.
Quando fazem comparações entre Érico e Nonato, entendo o questionamento de parte do público e da imprensa pela vontade de ver um pouco mais da minha versatilidade como ator. Eu mesmo tentei fugir de estereótipos batidos no audiovisual e busquei por personagens que não fossem LGBTQIAPN+. Entretanto, percebi que toda essa pressão é uma cilada e que a sexualidade de um personagem não é a garantia de uma carreira versátil.
Quantos atores heterossexuais passam a vida inteira interpretando heterossexuais e são cobrados para fazer algo diferente? Você já viu alguém falando que determinado ator hétero precisa viver um gay em uma novela pra provar seu talento? Por que o ator gay precisa provar de tudo? Dificilmente levantamos o debate sobre versatilidade na carreira de atores e atrizes héteros, mas estamos sempre discutindo os personagens de atores gays.
Além disso, toda essa cobrança acaba resumindo o homem gay a uma única forma de ser, com as mesmas características, sem recortes, sem camadas, sem nuances. O que leva alguém a achar que um motorista e drag queen no Rio de Janeiro da atualidade de 2017 é exatamente do mesmo jeito que um homem da década de 50, com filho e esposa? Érico é diferente de Nonato, que é diferente de Zaquieu, assim como todos os gays não são iguais.
"Garota do Momento" me trouxe um grande desafio de mostrar minha capacidade técnica numa história que se passa em outra época, com arcos dramáticos completamente diferentes, refletindo costumes daquele momento histórico, independente de sexualidade e está sendo um chuá! Érico vem com força e está sendo trabalhado com muito cuidado, carinho e dedicação, isso é o mais importante.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor