Fortaleza e o Teatro Casca de Ovo: Até quando vamos aguentar teatros que só existem por fora?

Teremos futuro no teatro?

Foto: Shutterstock

A primeira vez que assisti a um espetáculo de teatro foi em 1997. “O destino a Deus pertence” era uma peça do Curso de Princípios Básicos de Teatro (CPBT), dirigida por Paulo Ess e apresentada no Teatro Morro do Ouro, anexo do Theatro José de Alencar. Lembro muito bem desse dia, porque me fez mudar de caminho na vida.

O texto, de autoria de Ricardo Andrés Bessa, era da Escola de Dramaturgia e fazia alusão à vida de Gasparina Germano - a “prima-dona” do teatro cearense. Gasparina sonhava ser uma grande atriz, mas terminou seus dias de vida desiludida com o ofício e vagando pelas praças da cidade.

Esse espetáculo acontecia com uma estética bem circense, mambembe e frisava a beleza e a importância da arte na vida das pessoas, além de fazer várias referências à história do teatro do Ceará.

Veja também

Foi a beleza dessa peça que fez pulsar em mim o desejo de ser artista e querer frequentar as casas de espetáculo da cidade com suas programações, seus cursos e oficinas. Então, passei a consumir teatro de todo jeito, toda hora, até ao meio dia, no Palco Principal do Zé de Alencar. Sim, antigamente, o teatro tinha um projeto chamado Sobremesa com Arte. Acredita? Pois é.

O TJA era ainda a casa das grandiosas produções nacionais que aportavam por aqui com frequência. Nesse tempo, Fortaleza ainda tinha os teatros Sesc: Emiliano Queiroz, repleto de atrações infantis e adultas, e Iracema, que surgiu como um espaço inovador e experimental.

Logo mais chegou o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Sua chegada foi muito celebrada e havia uma programação riquíssima, com atrações que faziam o Teatro e o ‘Palco sob a Passarela’ ferverem.

Também sou do tempo em que existia uma programação no Teatro do Ibeu Aldeota com os infantis mais lindos que eu já assisti. Já no Ibeu Centro, eu via os espetáculos adultos, igualmente importantes.

No Teatro Paschoal Carlos Magno, na Av. da Universidade, eu assistia os espetáculos frutos da formação do Curso de Arte Dramática da Universidade Federal do Ceará (UFC). E no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBN)? Nossa! Havia uma programação incrível e gratuita.

Fortaleza possuía uma efervescência cultural e produtiva tão absurda - apesar das dificuldades - que viu nascer diversos grupos e artistas importantes para a nossa história. Eu, inclusive, sou resultado desse movimento.

Lembro claramente que, no início da minha formação, o sonho era estar em cartaz em algum desses teatros, fazer parte das companhias teatrais dessa época, que eram as minhas maiores referências e inspirações. Hoje, me pergunto: como anda a cena teatral em Fortaleza? Como têm sobrevivido os artistas e grupos de teatro da cidade? Temos um Teatro “Casca de Ovo”?

Acompanho uma geração de produção teatral muito independente no que se refere a apresentações em palcos já existentes na capital cearense. Me parece que o sucateamento ou a falta de investimento e manutenção de espaços de cultura (e até a extinção deles) tem forçado a classe artística a criar os próprios espaços, com suas próprias programações culturais.

Sempre achei essa ideia de sedes de companhias fundamental para a história, para a carreira e para a existência de grupos e seus integrantes, mas uma coisa jamais poderá substituir outra e precisamos de teatros ativos.

Sem contar com os de shopping, é provável que Fortaleza só possua, no máximo, dois ou três teatros com estrutura, equipamentos e equipe técnica qualificada para receber artistas e público. No máximo!

É triste ver o que já foi ponto de cultura ser só mais um prédio inutilizado, é triste pensar nos teatros que foram desativados ou aqueles que ainda possuem CEP, mas não há vida alguma nos endereços, como o Teatro Carlos Câmara e o Antonieta Noronha. É triste pensar que há espaços de arquitetura e beleza incontestáveis por fora, mas sem equipamento de som ou luz para os espetáculos dentro, onde se precisa sempre locar material, como os teatros São José e José de Alencar.

A última vez que fui ao teatro em Fortaleza, foi ao Dragão do Mar, lugar que durante anos e anos me apresentei junto das minhas Travestidas, e como plateia, presenciei poltronas quebradas, gambiarras e até uma goteira no teto, bem na frente do palco. A peça acontecia e a goteira pingava. Triste! Espero que tenha melhorado.

A precarização dos espaços culturais em Fortaleza, a falta de investimentos e/ou de políticas públicas com foco na construção de programações locais nos trouxe até essa situação. Nos tornamos uma cidade órfã de teatros e precisamos urgentemente de reparação, não só para os artistas e público, mas para a existência do nosso teatro no futuro.

Reconstruir hoje pensando no amanhã. Chega de teatro que só existe por fora!

 

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor