Construir uma vila de amigos e envelhecer com afeto

Diante da solidão da população LGBTQIA+ idosa, precisamos de estratégias de coletividade.

Escrito por
Silvero Pereira verso@svm.com.br
Legenda: Chegamos à terceira idade com inúmeros desafios que se somam aos limites do próprio corpo, como a falta de uma rede de cuidados, de apoio e suporte financeiro.
Foto: SibRapid / Shutterstock.

Tenho pensado muito sobre o envelhecimento. Não sobre rugas, não sobre o meu corpo, nada sobre o que se espera de alguém que envelhece. Eu penso muito mais sobre quem estará ao meu lado quando eu me tornar o “Seu Silvero”. E isso me faz lembrar o quanto o envelhecer pode estar muito ligado ao sentimento de solidão quando se trata da população LGBTQIA+.

De forma geral, há alguns recortes que nos levam a um futuro triste: chegamos à terceira idade com inúmeros desafios que se somam aos limites do próprio corpo, como a falta de uma rede de cuidados, de apoio e suporte financeiro. Muitos de nós envelhecem sem construir laços familiares, seja por terem sido expulsos de casa, seja por nunca terem encontrado espaço seguro para construir afetos mais duradouros.

No campo da saúde, os desafios se ampliam. Ainda é comum que idosos LGBTQIA+ evitem serviços básicos por medo do preconceito, da patologização ou da infantilização de suas histórias. Pessoas trans idosas, então, nem se fala. Há o risco constante de terem suas identidades invalidadas ainda que já passem dos 60.

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O fato é que com o progressivo envelhecimento da população e diante de todos os riscos da solidão nessa fase da vida, me vi diante de um desejo: quero os meus afetos por perto, especialmente aqueles dissonantes da sociedade como eu. Essa ideia, inclusive, é uma tendência mundial chamada cohousing, um nome gringo para algo que quem nasceu ou foi criado no interior conhece bem e aqui vou chamar de vila dos amigos.

Basicamente, a ideia consiste em um grupo de pessoas vizinhas que cuidam uns dos outros, sem que haja necessidade de dependência de familiares ou de instituições. Na prática, é uma filosofia de união, onde pessoas vivem juntas por afinidade, seja em casas lado a lado, apartamentos um de frente para o outro etc.

Viver com menos solidão, ter autonomia, mas contar com apoio, sensação de pertencimento, divisão de gastos, atividades em grupo ou ainda a plena noção de que unidades familiares não se constróem exclusivamente por laços sanguíneos são alguns dos benefícios de fazer parte de uma vila.

Tenho a ligeira sensação de que a vida inteira eu sabia que o meu envelhecer seria assim. Talvez esse seja o meu maior plano de vida até agora. E eu, que conheço tanta gente e tenho carinho por mais uma grande porção delas, sei exatamente com quem eu posso contar, quem seriam os meus vizinhos, quem são aqueles com laço tão forte que mais parece um nó, aqueles da minha vila projetada na mente. Isso é uma parte grande da certeza de que meu envelhecer será bonito demais.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor

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