O corporativês da favela

As questões sociais, ambientais e de governança entraram de vez na pauta das grandes empresas. Estamos em pleno voo das agendas de grupos socialmente excluídos e invisibilizados pela desigualdade do Brasil. Em particular, as agendas de gênero e etnia estão sendo debatidas, encaminhadas e posicionadas nos conselhos de administração e na agenda do dia dos CEOS e presidentes.

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Em mais de 20 anos de jornada da CUFA, nos deparamos com cenários em que as nossas práticas na favela adquirem outros termos e estéticas, mas que fora dela, conceitualmente, significam as mesmas coisas.

No dialeto corporativês, accountability, compliance, mindset vão além de termos em inglês. Na verdade, ao traduzir para o favelês, vemos que as empresas estão amadurecendo no seu ambiente interno em um caminho que já conhecemos e lidamos. E aqui, nesse primeiro artigo, gostaria de pontuar algumas questões:
Vamos para o termo mais comum como compliance que, resumidamente, é o conjunto de regras internas que são usadas para garantir ética e transparência nas relações entre os colaboradores de uma empresa ou organização.

Em 20 anos de CUFA, atendendo favelas das mais diversas dinâmicas políticas e de composição social, conseguimos atuar acima dos conflitos e garantir uma governança capaz de realizar mobilizações, acessos e dialogar com a diversidade destes territórios, que na pandemia se ampliou e foi testado em várias ocasiões. 

Atuamos em mais de 5 mil favelas, ofertando uma estrutura de distribuição e logística que envolveu mais de 40 mil colaboradores, e entender isso foi fundamental, pois o mindset da favela tem formato próprio.

Nosso Accountability, ou seja, nosso comprometimento com a organização, tem sido pautado pela transparência e respeito às regras e princípios com os moradores deste território, tendo como foco levar aos parceiros e apoiadores essa mesma lógica.

E para finalizar, agora temos o ESG na ordem do dia. O mesmo já foi colocado como um marco entre quem vai ter ou não valor de mercado.

Em conversa com a empresária Luiza Trajano, responsável pelas lojas Magazine Luiza, levei algumas ponderações sobre esse posicionamento, que deveriam, desta vez, dialogar com a sociedade que já tem experiência dessa agenda, pois são temas paralelos ao dia a dia das empresas, onde a necessidade de incorporar está focada no marketing, discurso dos CEOs e conselhos administrativos, ao invés de incorporá-lo institucionalmente e garantir que os princípios do ESG sigam para dar resultados práticos para a sociedade. 

Espero que esse fato possa ir além de somente posicionar a renda da pontuação no mercado, bolsa de valores e etc.

Por isso, essa é uma conversa que não termina hoje, mas que precisa começar agora, em plena luz do dia, para que o debate público tenha reputação e credibilidade para essa mudança que bate à porta de empresas e de uma grande maioria da população mais informada e exigente.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.