Num país do tamanho do Brasil, os próprios constituintes fizeram questão de transformar em prioridade a redução das desigualdades regionais. Os nossos governantes têm o dever de trabalhar para que essas diferenças sejam reduzidas.
Acontece que aspectos culturais e políticos interferem. É o caso do colonialismo científico já abordado aqui com uma análise sobre os fósseis. Historicamente, eles são retirados do Cariri e quase nunca devolvidos. Quando são repatriados, costumam ficar pelo Centro-Sul. Se for um pterossauro então...
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É uma questão de colonialismo do Sul para com o Norte do país. Mas há também a desigualdade dentro das próprias regiões, apesar de que, no caso dos fósseis, aconteça justamente o contrário.
Porém, antes de explicar essa questão, que é singular, veja o caso do investimento público e privado em infraestrutura e política de emprego. No Nordeste, das 9 capitais, apenas Teresina está longe do mar.
Trazendo o debate para o Ceará, Fortaleza é uma das cidades mais populosas do país e muito disso se deve a uma escolha de investimento que faz da Capital um lugar de maior empregabilidade, atraindo novos moradores.
Esse debate pode até ser considerado corriqueiro no senso comum. Um morador da Capital que nunca tenha visitado o Cariri pode, por exemplo, imaginar que aqui não há internet banda larga. É um nível de ignorância que infelizmente existe e que tem base na distorção causada pela desigualdade.
A discussão também está na academia. Historicamente, quem era do Cariri precisava ir às capitais para estudar; Fortaleza e Recife como destinos principais. O percurso tem sido invertido. O Cariri já virou polo de educação pela oferta de cursos de graduação em diversas áreas nas iniciativas pública e privada com viés de crescimento, apesar do reflexo da pandemia na educação.
Mas há todo um mundo de desafios. Agora, o esforço precisa ser feito no sentido de aumentar a oferta de programas de mestrado, doutorado e pesquisa.
"A diferença natural e histórica entre Capital e Interior a partir de financiamento está sendo dirimida com um olhar com mais atenção para o Interior. O que resultou numa explosão de pós-graduações e melhora na qualidade de pesquisa medida por índices internacionais, o que acaba por reduzir essa desigualdade científica entre a Capital e o Interior".
O caso dos fósseis é uma exceção que confirma a regra: a decisão política pelo investimento desenvolve a região. O principal equipamento que lida com os fósseis está justamente no Interior, que é o museu de paleontologia, pensado pelo professor Plácido Cidade Nuvens, reitor da Urca já falecido, que escolheu Santana do Cariri para a criação do espaço.
Mas, em quase todos os outros setores, a Capital sempre teve prioridade em investimento, no público e no privado. Só que nem todos assistem a essa situação com paciência e passividade.
O Cariri talvez seja a comunidade que menos ficou inerte entre as regiões cearenses. Foram mais de um os movimentos pela emancipação do sul do Ceará.
Um deles é curioso e antigo: em 1839, com o Brasil ainda Império, o então senador José Martiniano de Alencar (pai do escritor José de Alencar) apresentou o projeto de criação da província do Cariri. Em outro momento da história, há pouco mais de um século, em 1914, Fortaleza e Juazeiro estiveram em lados opostos de uma guerra, com o Cariri se consagrando vencedor.
Hoje, não se sabe de movimento que defenda o mesmo, mas é possível notar uma leve mudança no vetor de prioridades, com o Cariri sendo uma região em disputa por votos, como este próprio Diário do Nordeste mostrou recentemente. Um exemplo é o invesvimento na venda do turismo de Interior, oferecendo aos turistas a beleza e a singularidade das nossas serras, destoando do discurso predominantemente praieiro. Não é o bastante. Os cearenses do Interior esperam por mais investimentos. Dirimir desigualdades é essencial para manter a unidade.
A ausência histórica do investimento público e privado pode levar a uma ruptura política. Veja o caso da região de Santarém, no Pará, em vias de se transformar em capital do novo estado do Tapajós. Você que é do Interior o que acha disso? E você que é da Capital o que acha de um possível Cariri independente?
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.