Os EUA explodiram uma bomba atômica no Ceará há 65 anos? A teoria dos testes clandestinos

Entre 1957-1958, a região do sertão central cearense foi sacudida por uma grande estrondo e algo descrito por uns como clarão

Legenda: A população e as autoridades locais buscavam explicação para o fenômeno (foto ilustrativa)
Foto: pexels

Em 1960 o historiador e político pernambucano Leôncio Basbaum afirmou no livro ‘Caminhos Brasileiros do Desenvolvimento’ que “recentemente os Estados Unidos fizeram explodir uma Bomba-A nos céus do Nordeste”. Sem citar fontes, Basbaum indicou que testes clandestinos fizeram os céus do Ceará brilharem com o brilho atômico da nova era nuclear. 

Uma hipótese bizarra, absurda e praticamente desconhecida poderia ser real ou apenas a paranoia da guerra fria que fazia fantasmas atômicos serem vistos em toda parte. Esse evento incrível e de consequências devastadoras ainda carece de explicações e estudos aprofundados. 

A retomada do temor nuclear 

O estrondoso sucesso do filme Oppenheimer, os riscos e ameaças de uma guerra nuclear na Ucrânia e as rememorações dos 78 anos do ataque atômico à Hiroshima e Nagasaki fizeram desse agosto um momento propício às memórias do terror atômico. As redes sociais se encheram de debates, teorias e notícias sobre armas nucleares táticas e o desenvolvimento de armas cada vez mais potentes.  

Esse movimento traz à tona essa extravagante notícia que correu o Brasil dos anos 50: Os EUA lançaram bombas nucleares atmosféricos nos céus do sertão central cearense. Madalena, então uma pequena comunidade, teria sido epicentro da explosão e teria vivido o terror do “clarão sobrenatural” que incendiou a região.  

A explosão 

Entre 1957-1958, a região do sertão central cearense foi sacudida por uma grande estrondo e algo descrito por uns como clarão e por outros como uma grande bola de fogo pôde ser visto por toda a região. Seriam milhares de testemunhas, de todas as matizes políticas, níveis socioculturais e profissões.  

Telhas voando, móveis e plantas derrubados, animais desesperados e até sombras projetadas no chão como que impressas apareceram nos relatos aos jornais. Muitos afirmaram ter visto uma gigantesca coluna de fumaça se formar da grande explosão.  

A população e as autoridades locais buscavam explicação para o fenômeno. Não seria uma “deflagração de dinamite”, pois a explosão era em todos os relatos acima do solo, em grande altitude. Cresceu o burburinho sobre foguetes ou até satélites lançados da base de Cabo Canaveral nos EUA terem caído na região. Como não foram achados restos ou fragmentos de qualquer experimento a história começou a tomar ares de lenda.  

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Apesar dos apelos por explicações, as pequenas comunidades da região não despertavam interesse maior do Estado e da opinião pública das grandes cidades, logo, sem uma explicação satisfatória para o evento e sem maiores novidades o episódio foi sendo deixado de lado até que outro episódio atômico chamou a atenção do mundo para o Atlântico Sul – e para o Nordeste brasileiro – no ano seguinte. 

A operação Argus

O historiador Tácito Thadeu Leite Rolim relata que em 1958 a marinha dos EUA posicionou secretamente o navio USS Northon Sound próximo à costa sul do Brasil. O navio, em exercício secreto, lançou três foguetes armados com ogivas nucleares de baixa intensidade (1,7 Kiloton22). Os foguetes explodiram a grande altitude, chegando aos 500 km de altura.  

Eram os primeiros testes nucleares disparadas em alto-mar; o primeiro a explodir artefatos atômicos em uma altitude tão elevada e o primeiro a ser realizado no Atlântico Sul. Com o codinome de Operação “Argus”, o teste foi clandestinamente desenvolvido entre o mar sulamericano e o sulafricano e visava criar cinturões de radiação artificiais ao redor da Terra, analisando suas implicações militares sobre as telecomunicações, radares, mísseis balísticos e ogivas nucleares inimigas. Seu impacto criou um cinturão de radiação que envolveu a Terra por meses. 

O New York Times deu a história em 1959 e chamando-a de “o maior experimento científico” já conduzido na História. Logo após os experimentos o USS Norton Sound e seus marinheiros aportaram no Brasil, Rio de Janeiro. Ao saber dessa operação a imprensa nacional, políticos e cientistas relacionaram a Operação “Argus” e a explosão em Quixadá.  

Jornais não especulavam, mas afirmavam, que testes atômicos foram executados no Ceará.  A Assembleia Legislativa de Estado de São Paulo aprovou moção “protestando contra a explosão de bombas atômicas nos céus do Nordeste do Brasil, primeira experiência feita por militares norte-americanos no Hemisfério Sul”. César Lattes propôs uma “reunião de cientistas para estudar os efeitos da Operação Argus” e acrescentou que “o Brasil deve protestar” e não permitir que os Estados Unidos “lancem seus dejetos radioativos onde considerarem mais conveniente”. 

As notícias de armas nucleares testadas tão perto de nós inquietaram a população e tomou os jornais. Rapidamente, a relação entre o clarão no céu do Ceará e testes secretos em nossa terra consolidou a ideia de que a luz era relativa a um artefato nuclear e novas informações passaram a consolidar essa ideia.  

O governo brasileiro assinou um ano antes do fenômeno um acordo com os Estados Unidos para a instalação, na ilha de Fernando de Noronha, de uma base de rastreio de foguetes teleguiados do Cabo Canaveral. O Conselho de Segurança Nacional discutiu a liberação de “pontos do território nacional, tais como Fernando de Noronha, Maceió, Natal, Fortaleza e Belém” e estabeleceu que o nordeste brasileiro era o “centro nervoso de qualquer planejamento estratégico de defesa do Atlântico Sul”.  

Dessa forma, o imaginário paranoico da Guerra Fria atingia o Ceará em cheio. Os jornais aumentavam esse terror ao prenunciar que os foguetes teleguiados com armas atômicas poderiam “explodir em qualquer parte do território brasileiro, especialmente na região Nordeste, semeando a morte e a destruição sobre cidades e vilarejos indefesos”.  

Madalena na guerra fria e o risco da contaminação 

O Projeto Manhattan fez nascer a “Era Atômica”. A pesquisa científica, a ciência como maior arma da guerra contemporânea, uma era regida pelo segredo e pela velocidade.  As especulações sobre as atividades clandestinas do Departamento de Defesa estadunidense no Atlântico Sul não eram infundadas, os EUA conduziram mais de mil testes nucleares, entre os conhecidos e relevados.

Era preciso “melhorar” o desempenho das novas armas e isso significava torná-las mais mortíferas, mais precisas, com explosões controladas e direcionáveis. Os vetores destas armas também tinham que ser aperfeiçoados e testado. Nós teremos sido o alvo destes testes?   

   

Se as notícias de um teste nuclear no Brasil foram contrainformação soviética para aumentar o sentimento anti-americano nos brasileiros, ou, se os EUA nos usaram em testes secretos, em qualquer dos casos a Guerra fria e sua paranoia nuclear se instalou nos corações de cearenses nos anos 50. Especulação ou fato, loucura ou crime, a simples ideia de algo tão alucinado ter sido possível demonstra como em uma guerra, ninguém está a salvo. 

Os eventos misteriosos nos céus do Sertão Central cearense aproximam nossa terra e nossa gente da discussão mundial em torno dos perigos atômicos. Então pároco de Madalena, o padre Richard, denunciou diversa vezes e com veemência o absurdo dos testes nucleares e defendeu que uma grande elevação nos números de casos de câncer do município tem na guerra fria sua origem. A radiação que existe de fato na região seria o resultado de testes nucleares atmosféricos “em cima de nós”.  

Como escreveu Vinícius e cantou Ney, pensemos nas crianças, nas mulheres, nas rotas e nas vidas alteradas em nome dos senhores da guerra. E que nem sequer o temor de que anti-rosas atômicas possam chegar perto de nós, dos nossos e de vida global. Pensemos que, real ou imaginário, o monstro atômico já esteve sobre todos nós.