Nordeste em divergência?

A economia nordestina tem exibido dinâmica distinta da nacional nos últimos seis meses

Legenda: No que se refere ao consumo de bens, a atividade no Nordeste parece vir em queda desde fevereiro.
Foto: Natinho Rodrigues

Desde o início da pandemia, os economistas do Itaú vêm utilizando dados agregados de gastos em cartões de crédito e débito para monitorar a atividade econômica praticamente em tempo real – com defasagem de quatro ou cinco dias. O indicador resultante, IDAT, retratou com precisão os distintos momentos da economia do país desde o início da pandemia.

Partindo de uma base 100, o IDAT retratou um mergulho inicial na atividade econômica, acompanhando o colapso da mobilidade social, na segunda quinzena de março de 2020 – o indicador atingiu seu mínimo mensal em abril, 40% abaixo do patamar pré-pandemia.

A isso, seguiu-se uma gradual recuperação, tanto da atividade, capturada pelo IDAT, quanto de indicadores de mobilidade. Ambos voltariam a recuar no início de 2021, sob os efeitos da variante Gama de COVID-19, a chamada variante Manaus, caindo de 92 em outubro a 86 em março-abril de 2021. Esse período marcou, também, o pico do número de óbitos desde o início da pandemia.

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O quadro sanitário, econômico e de mobilidade voltaria a melhorar a partir de meados do ano, com o avanço da campanha de vacinação. A partir de setembro, contudo, a recuperação do IDAT perdeu ímpeto, ao passo que a mobilidade continuou melhorando, evidenciando os efeitos da aceleração da inflação sobre o poder de compra e a confiança dos consumidores, bem como algum impacto inicial do aperto da política monetária.

Desde meados de fevereiro, o IDAT ganhou impulso renovado, e a economia do país parece estar ganhando dinamismo mais forte. As explicações, ainda tentativas, são várias: redução da taxa de poupança das famílias, certa recuperação do poder de compra motivada pelo aumento do salário-mínimo, ganhos do funcionalismo estadual e municipal, e dissídios, e, mais recentemente, melhora dos preços das exportações. Com isso, o indicador parece estar rodando 10-15% acima do patamar pré-pandêmico, apontando para uma taxa de crescimento positiva no ano.

A economia nordestina, tanto quanto conseguimos captar pelo IDAT, tem exibido dinâmica distinta da nacional nos últimos seis meses. As tendências setoriais também são diferentes. Cabe a ressalva que, para fins de comparações regionais, consideramos apenas gastos em cartão de crédito presenciais, o que pode dar uma perspectiva limitada do conjunto das atividades econômicas.

No que se refere ao consumo de bens, a atividade no Nordeste parece vir em queda desde fevereiro. No entanto, a região teve um final de ano mais forte do que as regiões Norte e Centro-Oeste. Já quanto aos serviços, o Nordeste também mostra recuperação, mas também em velocidade aparentemente menor do que nas regiões Norte e Centro-Oeste. O consumo de serviços nas regiões Nordeste e Norte tinha trajetória muito parecida até o final do ano passado, mas tem se distanciado desde então.

Diferenças no desempenho do mercado de trabalho devem ser parte da explicação para a aparente divergência. De fato: indicadores de mercado de trabalho do quarto trimestre do ano passado mostram que a renda real do trabalho no Nordeste teve uma queda drástica no segundo semestre de 2021, o que pode ter afetado o consumo nesse começo de ano.

Historicamente, as taxas de desemprego no Nordeste têm sido mais elevadas do que no resto do país, no entanto, a diferença em relação às outras regiões se acentuou durante a pandemia e continuou a aumentar até o último trimestre de 2021. Diferenças regionais nas tendências da mobilidade social parecem irrelevantes, então não devem ajudar a explicar uma divergência.

Estima-se que o Nordeste tenha uma parcela maior da população recebendo o Auxílio Brasil do que as demais regiões – pouco mais de 40%, ante uma média nacional de 24%, utilizando dados do Ministério da Cidadania e IBGE. Os dados ainda não capturam esse efeito, mas é razoável esperar que nos próximos meses esse programa contribua para reduzir a percepção de distância que tem sido observada desde a virada do ano entre a economia nordestina e o resto do país.



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