A Síndrome do Idiota Confiante e o coach de relacionamentos
A atriz e humorista Livia La Gatto, recentemente, publicou em sua rede social uma paródia que fez sobre um coach de relacionamento. O coach em questão, talvez, aborrecido com a verossimilhança retratada por Livia, lhe escreveu um recado: “Você tem 24 horas para retirar seu conteúdo sobre mim. Depois disso, processo ou bala. Você escolhe”. O caso terminou na polícia: Lívia registrou um boletim de ocorrência pela ameaça sofrida.
Até então, desconhecia este coach, mas me propus a passear por seu perfil no Instagram, que acumula mais de 335 mil seguidores. Comecei a assistir seus vídeos e, em um lapso de ingenuidade, cheguei a pensar que, talvez, ele tivesse algo a agregar, a ensinar. Contudo, sob risco de severa indigestão, não consegui maratonar todos.
Do que assisti, coletei uma série de frases duvidosas e irresponsáveis, como: “um dos problemas da infelicidade feminina é que a mulher não quer servir, só quer ser servida”; “o propósito do homem está sempre acima do propósito da mulher... e isso não é machismo é só realista”; “tua mulher, talvez, custa 4, 5 mil por mês sem sexo e uma GP (garota de programa), uns R$200,00 com sexo”; “hoje a gente tem uma manobra da sociedade que tenta equiparar se o cara transou com 100 mulheres e a mulher transou com 100 caras é a mesma coisa. Obviamente que não é!”; “ou a mulher, literalmente, te admira como homem e paga um pau lascado para você ou ela te despreza.”; “a beleza pra mulher é um abre portas, em paralelo o que acontece? a mulher fica mais vagabunda.”.
Após este breve contato, mentalmente o enquadrei em uma categoria que denomino “influencers do absurdo” - são aqueles influencers que, a despeito de todas as bobagens proferidas, seguem com um grande e fiel público.
Talvez, o público dos “influencers do absurdo” desconheça a chamada Síndrome do Idiota Confiante, sistematizada em 1999 pelos psicólogos Justin Kruger e David Dunning – e, por isso também, chamada de “Efeito Dunning-Kruger”. Não se trata de um diagnóstico, mas vale a pena nos familiarizarmos com o termo, uma vez que o conteúdo dos influencers do absurdo faz com que esses estudos sejam cada vez mais revisitados.
Os estudos que levaram à sistematização da “síndrome do idiota confiante” foram realizados para o melhor entendimento das pessoas que ignoram a própria ignorância e se sentem extremamente confiantes sobre si mesmas, ainda que sem motivos reais para isso.
Referem-se a pessoas que se sobrestimam a despeito das próprias habilidades. Como, por exemplo, esse mesmo coach de relacionamento que lhe “ensina” a conquistar mulheres, que já proferiu frases duvidosas contra mulheres de mais de 30 anos, mas, curiosamente, antes disso, foi desprezado por uma mulher de 54 anos em um reality show.
Pessoas neste espectro possuem uma dificuldade cognitiva para compreenderem os próprios erros, carecem de autocrítica e apresentam algumas características, como: incapacidade de conhecer suas incompetências e incapacidade de reconhecer a competência de outras pessoas.
Dada a escassez de autocrítica, possuem dificuldade de assumir que estão erradas, tendem a achar que os outros estão equivocados, que os outros são ignorantes, até mesmo desprezíveis – como, talvez, o faça certo coach de relacionamento conhecido por sua misoginia.
Discussões com pessoas que parecem se enquadrar na Síndrome do Idiota Confiante, de praxe, terminam em ofensas pessoais, o que pode escalonar para ameaças, talvez como “ou bala ou processo”. Tais pessoas não possuem argumentos válidos, logo, costumam invalidar seu interlocutor seja por meio de deboche, ofensas ou por respostas tão absurdas que "mitam".
O perigo não está na ignorância delas, mas na capacidade de persuasão apesar da notável ignorância. Vale lembrar que, quanto maior a falta de conhecimento, maior será a demonstração de confiança.
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Essas pessoas são também chamadas de "profissionais de palco": falam em tom convincente, com voz impositiva, utilizam jargões, fazem piadinhas de mau gosto a qualquer momento. Enfim, são “showman”, prontos para lhe entreter. Essa postura e maneira de interagir (comprovadamente) é mais convincente que alguém falando sobre estatísticas reais e relatórios. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Os “idiotas confiantes” atuam nas mais diversas áreas da vida: na política, como gurus espirituais, coachs de relacionamento, enfim, pessoas que te ensinam com muita convicção algo que elas mesmas desconhecem.
São falsos profetas: sabem professar, mas não têm a mínima ideia sobre o que estão falando. Lamentavelmente, esses idiotas confiantes vem se proliferando de forma endêmica nas redes sociais: é o palco perfeito para ganhar um público incauto e acrítico que acaba acreditando nesse tipo de pseudoconhecimento – público este que, antes das redes sociais, ficava restrito a meia dúzia de desavisados.
Diante de todo esse cenário, e em um misto de indignação e desesperança, me lembro de um dito atribuído a Bertrand Russel: "O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas ".
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora