A transposição do Rio São Francisco tem dado o que falar. A chegada de suas águas em parte do Nordeste ganhou debate político e muita discussão para saber quem é o autor de tal feito. Independente de gestão, o Velho Chico em todo o curso, traz vida para o sertão e também carrega histórias.
Os cantos que ecoam lá do fundo da afluente podem ser motivos de medo até dos pescadores que por ali navegam, mas muitos dos nossos artistas, longe da pretensão de desvendar certos mistérios, fizeram homenagens ao rio em suas composições.
Claro que outro símbolo do sertanejo é a devoção, a crença em suas divindades, isso traz mais encantamento ainda para essas águas que levam o nome do santo caridoso e padroeiro dos animais. Tudo isso confabula na reverência dos nordestinos, e que é totalmente merecida e necessária.
Em uma vasta lista de trovadores, nosso Velho Chico ganhou melodias, sons, letras e novos ares. Em uma vasta lista musical, aos arranjos de viola ou sanfona, ele foi personificado como um ser bravo, místico e que carrega em sua correnteza a vida deixando se escorrer nas margens magoadas de um povo que é, antes de tudo, um forte.
Dentre os principais compositores que destacaram o Rio São Francisco como centro de suas obras, tenho que mencionar o fantástico Geraldo Azevedo, inclusive, este gravou em 2015 (pela “Biscoito Fino”) o álbum “Salve, São Francisco”, somente com letras que envolvem essas águas que tanto simbolizam o nosso território.
O pernambucano Geraldo Azevedo nasceu justamente nas margens da afluente, já que seu município de origem é a famosa Petrolina. Logo cedo, e como um dos principais sucessos quando este se põe com cantador e não cantor, ele lança a sua “Barcarola do Rio São Francisco”, em parceria com Carlos Fernando. A letra retrata bem esse lado do artista, ainda mais no seu registro junto com Xangai, Vital Farias e Elomar no disco ‘Cantoria’.
Depois desse trabalho, outras composições ganharam brilho na mente e na voz de Geraldo Azevedo como “Santo Rio” (repetindo a parceria com Carlos Fernando), “São Francisco São” (junto com Clóvis Nunes e Geraldo Amaral), “Opara” (com Clóvis Nunes), “Carranca que Chora” (com Capinan) e a moderna e importante “São Francisco Help” (em parceria com Luiz Galvão).
O Rio que separa sua cidade natal, no Estado de Pernambuco, à plural Bahia ganhou letra e melodia na canção “Petrolina e Juazeiro”, esta com o eterno Moraes Moreira. Na canção, os dois compositores se debruçaram com propriedade na vastidão das águas.
Aliás, a divisão entre os municípios virou tema de uma das mais lindas músicas do Caetano Veloso. “O Ciúme”, onde as localidades disputam a atenção do Velho Chico, narra todo seu trajeto desde Minas Gerais até o infinito do sertão nordestino e “que nem alegre, nem triste, nem poeta e entre Petrolina e Juazeiro canta”.
Os cantos do Rio São Francisco são muitos, podem ser bravos como as batidas da zabumba ou leves feito o arrastar dos pés em um forró agarradinho. No segundo caso, não podemos esquecer do nosso eterno Gonzagão, que daqui a pouco completa 110 anos, e com seu parceiro Zé Dantas fez a famosíssima Riacho do Navio.
O Xote foi regravado por várias vezes, inclusive pelo cearense Raimundo Fagner junto do próprio “Mestre Lua”, um sucesso enorme na interpretação. Bem humorada, a música traz uma analogia sensacional! Ela relata que o sertanejo, ao contrário do Rio, ao sair do pequeno riacho para desaguar na imensidão do mar, preferia seguir em rumo oposto e seguir a vida pacata do seu pé de serra.
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Independente de curso, mesmo que todos caminhos ou nos levem para Roma ou para o mar, o Velho Chico enche de vida o sertão nordestino e, independente de paternidade da transposição, as águas são muito bem-vindas no nosso Ceará tão castigado pela seca que destrói plantações, paisagens e vidas.
Com sua bênção, meu São Francisco, me despeço com o desejo de molhar meus pés em tuas águas e banhar-me na pureza dos teus mistérios mais profundos e enigmáticos. Mesmo que distante fisicamente de ti, tu corres dentro de mim na devoção nordestina que inunda meu peito da sede de te navegar.