O som do arrastado das sandálias de couro no chão batido ao se unir com o sentimento da sanfona, zabumba e triângulo faz palpitar o coração de muitos nordestinos. Essa é a identidade do Forró, ritmo que agora entra na lista de patrimônios imateriais deste imenso país plural chamado Brasil.
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Tal reconhecimento é de extrema importância para a cultura do Nordeste, pois o gênero se faz presente em muitos aspectos dentro da região e, de alguma forma, conta a história deste povo que Euclídes da Cunha chamou de "antes de tudo, um forte”.
Se voltarmos no tempo, as músicas tocadas nas rádios na década de 1930 eram sempre boleros, tangos e valsas, tudo muito internacional. Até as composições brasileiras, buscavam essa linha dramática nas canções, nada muito nosso. Quando a identificação dos nossos “habitus” foram mais representados na música, ainda eram muito limitados as modas caipiras características do interior do Sudeste do país.
O Brasil, que quase domina toda a América do Sul em território, parecia reproduzir as vozes de poucos estados que dominavam os veículos de comunicação, mesmo que existissem outras batidas que embalavam emoções.
Misturando também sons estrangeiros vindo de nossos colonizadores como o Xaxado, Baião e Merengue, surge também o nosso queridinho Forró que parece ser um elo de interlocução de muitos sons que o nordestino passou a se sentir representado em seus muitos aspectos literomusicais.
"Nordeste é uma ficção, Nordeste nunca houve"
Quando Belchior faz essa afirmação sobre o Nordeste, ele tenta descategorizar a região na ideia estereotipada de unificação. Cada estado tem suas características distintas e isso é Brasil, claro! Mas quando voltamos à história do nosso cancioneiro popular devemos muito a essa ideia.
Como já escrevi, o Brasil até meados dos anos 1940 tinha mais preconceitos musicais do que nos tempos atuais, tudo era muito centralizado no Eixo Rio-São Paulo, e as demais localidades eram esquecidas pelas grandes gravadoras de discos.
Rompendo com esse mercado, surge nesse período um “sanfoneiro arretado” que viria a ser chamado de Rei do Baião. Luiz Gonzaga do Nascimento nasceu em Exu, Pernambuco, na juventude foi morar no Rio de Janeiro. Nas noites cariocas se rendeu ao Tango e ao Foxtrote, mas seu caminho mudou de rumo e o Nordeste pulsou em suas veias.
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Mesclando vários ritmos nossos, inclusive o Forró, Gonzagão ganhou o mundo com seu Gibão de couro e seu chapéu que remetia o sertão de onde veio. Mesmo que aí, possamos afirmar que já existe um estereótipo da figura do Nordestino, temos de concordar também que é uma quebra em tudo que havia como preconcebido dentro do nossa música.
Ainda resgatando essa origem, quando falamos do Forró podemos citar vários elementos que buscam no íntimo e, até na ancestralidade, que aquela batida também movimenta almas. Digo isto, pois as características de letras e melodias não se apresentam de forma aleatória, mas trabalham com partes integrantes de uma história que deve ser contada.
Forró vai além de uma dança romântica que beira a sensualidade, é uma narrativa da saga do vaqueiro que rasga a caatinga para encontrar sua amada, são os barulhos dos tiros de cangaceiros amedrontando uma cidade e até o rezar de uma donzela pedindo um bom casamento a Santo Antônio.
O ritmo trás uma alegria tão característica do Nordestino, em suas mais diversas formas, que é impossível não o abraçar com carinho e afeto diante a passagem do tempo costurada por nomes como Dominguinhos, Anastácia, Sivuca, Marinês, Genival Lacerda, Bastinho Calixto e tantos outros.
Mesmo visto por vezes com maus olhos, o estilo pode ser referência para movimentos plurais da região. Sem o gênero jamais teríamos sons de Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Zé e Elba Ramalho, que souberam muito bem beber dessa fonte. Muito menos teríamos o nosso “Pessoal do Ceará”, movimento que engloba artistas como Raimundo Fagner, Belchior, Ednardo e Fausto Nilo.
Somos todos forrozeiros
Ainda que seja confundido muitas vezes por outros ritmos que se apropriam da nomenclatura "Forró'', o Nordeste tem muito o que referenciar a nomeação do gênero como um patrimônio imaterial brasileiro. E um reconhecimento necessário diante uma cultura que vem sendo tão maltratada nos últimos anos.
Com a benção de Humberto Teixeira, cearense parceiro de “Seu Luiz”, aplaudo o forró das Salas de Reboco, vestidos de Chita e chapéus de palha. Celebro a unificação de raças, corpos, classes e mentes que clamam por um Brasil com mais identidade, cor e brilho. País onde muitos possam se sentir um só, sem deixar de serem diferentes.
O arrasta-pé não pode parar e agora que é patrimônio oficial, a expectativa é que ele brilhe ainda mais pelo futuro que jamais irá o apagar. Viva o Forró que é Nordeste e viva o Nordeste que é Forró.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.