A música popular brasileira renova o luto em mais uma semana com o falecimento do eterno “Tremendão”, nosso eterno Erasmo Carlos, que sai de cena aos 81 anos deixando uma vasta obra que mescla o Rock’n Roll, o Romântico e até mesmo o Pop. Sentir a partida do cantor, tão pouco tempo que nos despedimos de de Gal Costa e Rolando Boldrin, nos lembra da finitude da vida e da força da arte.
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Erasmo deixa trabalho eclético que se entrelaça na figura de um eterno galã, mesmo no avançar da idade. Mesmo com seus maiores sucessos ligados ao parceiro Roberto Carlos, existe um artista que foi múltiplo em suas escolhas e foi muito além de um só movimento musical.
A Jovem Guarda surge no início da década de 1960, coincidindo com o período de implantação do Regime Militar de 1964. O mundo passava por um processo de contracultura e divergências com sistemas ideológicos. É importante dizer também que o movimento já bebia da tendência Rock’n Roll da década anterior, do ídolo Elvis Presley.
Em 1958, o jovem Erasmo Esteves começou a participar da” The Snakes”, banda que tinha Tim Maia como integrante, mas foi junto de Roberto Carlos e Wanderléa que o artista ganhou holofotes, mesmo lutando contra o preconceito da crítica e dos próprios colegas. Muitos achavam aquelas letras bobas, assim como o “Iê-Iê”. O que não era de concordância do grande público que entrou na onda e transformou aquela juventude em Super-Star.
A primeira fase do cantor foi embalada nesse estilo e os destaques da sua carreira foram “Gatinha Manhosa”, “ A carta”, “Vem quente que estou fervendo” e “Festa de Arromba”.
Apesar das críticas, Erasmo talvez tenha sido o primeiro compositor da época a colocar a mulher como protagonista de suas canções, sem uma visão machista “apesar de sua cara de mau”.
Mesmo passando um tempo afastado do seu irmão de coração Roberto Carlos, a dupla foi uma das mais emblemáticas da música popular brasileira e isso é inevitável, principalmente quando Roberto enveredou para o lado romântico. Quem não se emociona com o “Sentado na Beira do Caminho”, “Sua Estupidez” e muitas outras dores de cotovelo.
Ainda que exista essa ligação entre os dois, Erasmo, injustamente, viveu por muito tempo à sombra de Roberto Carlos para a grande mídia. Ele segue uma carreira muito além, que mescla resistência e revolução de um estilo adotado e que chegou até na década de 80 ser taxado de cafona.
Tremendão ainda adotou, neste mesmo momento, o Soul que seu amigo Tim Maia estava propondo, a mistura foi sensacional e só engrandeceu sua trajetória. Com o lançamento do seu disco “Mulher” compartilhando até sua famosa “Mulher(Sexo Frágil)” que foi escrita junto com sua primeira esposa Narinha.
Nas décadas de 1990 e 2000, Erasmo continuou na ativa com a gravadora Sony Music. Lá ele lançou o álbum “Preciso Saber Viver'' e regravou músicas de seu repertório. Dentre as parcerias em destaque a “Do Fundo do Meu Coração” com Adriana Calcanhotto. O que reforça o seu lado de dar oportunidade às novas gerações como duetos com Renato Russo, Carlinhos Brown e Marisa Monte.
Ainda na primeira década do nosso milênio volta a regravar sucessos como “Olha” e “Não Esqueça de mim” com a amiga Nana Caymmi. A partir daí sua obra só reforçou sua influência do Rock americano e do romântico meloso brasileiro e entrou para a história.
“Mais um na multidão”, “Pega na Mentira”, “Minha Superstar”, “Minha fama de mau” e “O Caderninho” são hits que marcaram gerações e ressaltam a dor de terminar 2022 com mais uma perda no nosso cancioneiro popular. Erasmo Carlos foi o maior símbolo da Jovem Guarda, mais que seu amigo Roberto, já que ele manteve o estilo não por fama, mas com a convicção e espírito de garoto que tinha.
Acho que todo o Brasil lamenta a partida de alguém que adentrou em lares, vidas, romances até nas horas mais íntimas. De uma sensualidade provocativa e inovadora de quem tem a audácia de escrever: “Com a força do meu canto/ Esquento o seu quarto pra secar seu pranto/ Aumenta o rádio Me dê a mão” ou “E nessa hora/ Sem o trauma do pudor Ela avisa/ E mostra o que é amor”.
É difícil encontrar palavras diante tantos vazios que estamos sendo obrigados a viver, apesar da finitude da vida ser a nossa única certeza. Ainda assim, a morte não pode ser a despedida de Erasmo Carlos. Seu sonho musical eclético e cheio de vida ainda marcará por muito tempo nossos corações.