De Belchior à Vannick: o novo sempre vem

A alucinação de suportar o dia a dia às vezes pesa mas é importante não estar mudo e cantar muito mais.

Legenda: Cantar é viver e a música segue sendo meu combustível. Maior até que qualquer ansiolítico

Começo este artigo me desculpando com meus leitores que esperam meus textos dominicais, mas ando meio depressivo, doença que afeta hoje grande parte da humanidade, mas pouco é vista e carrega tanto preconceito. Pois bem, sentar de frente para um computador e escrever sobre a vida também é meu tratamento.

Foi importante falar deste tema, pois ele vai costurar minhas linhas de hoje. Há uma semana tive dessas crises de pânico que tiram o ar e te levam ao hospital com sensação de morte. O diagnóstico de ansiedade já era previsto e também inevitável o encaminhamento para um psiquiatra. E eu fui, claro.

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No meio da consulta, muito boa por sinal, o médico começou a falar sobre solidão, medo, angústias, viver e eu mais parecia estar escutando um disco do meu amado Belchior: “não se preocupe, meu amigo, com os horrores que eu lhe digo. Isto é somente uma canção. A vida realmente é diferente. Quer dizer, ao vivo é muito pior”.

Saí daquela consulta e claro que minha trilha sonora foi o eterno “Rapaz Latino Americano". Mesmo em repouso, a cabeça continuou tentando compreender aqueles vinte cinco anos de sonho e sangue, que na década de 1970 eram dele e hoje são meus. Toda essa pressa de viver que novamente me exige calma, mesmo não estando interessado em nenhuma teoria, nem fantasia ou algo mais.

Interessante que nesse meio tempo, no meio da grande confusão entre intenção e gesto, e nesse caos tendo agora a alucinação de suportar esse novo dia a dia, no meio de delírio e as experiências com coisas reais. A Playlist me leva a filha do Bel,Vannick, que eu insisto em dizer que já independe de sobrenome, e um novo olhar começou a surgir.

É, o novo sempre vem e o medo dele também existe. Já escrevi em outros textos que quando vi o anúncio que a filha de Belchior iria começar a cantar me assustou. Felizmente, era mais um receio desnecessário e que mesmo indiretamente me ecoou como um alento em dias difíceis.

A cantora acaba de lançar o EP "Das coisas que aprendi nos discos", trabalho que dá continuidade ao projeto iniciado em 2020, onde interpreta as músicas do sobralense. Com uma nova roupagem, o registro fonográfico é impecável e me deu um ar saudosista de renascimento, já que morri algumas vezes na estrada.

Os versos entoados por Vannick a lapela dizendo “quando estou sob as luzes não tenho medo de nada”, me fez chorar, me rememorou minhas noites de boemia sentindo o cheiro do mar de Iracema e cobertos as luzes de néon, meio fracas da Tabajaras. É preciso encarar, afinal, não existe este tal louco que pensou uma vida sem paixão.

O álbum tem como sequência “Paralelas” e pensar que quanto mais se multiplica diminui meu amor, me fez erguer meus braços e dizer como é perversa a juventude do meu coração que só entende o que é cruel e o que é paixão. Gritei quando o carro passou: teu infinito sou eu!

A depressão cala, mas Belchior por Vannick, ou o inverso, fizeram eu entoar meu canto de liberdade.

“Não quero lhe falar meu grande amor. Das coisas que aprendi nos discos. Quero lhe contar como eu vivi e tudo o que aconteceu comigo”. Cantar é viver e a música segue sendo meu combustível. Maior até que qualquer ansiolítico.

Nesses dias de tratamento mais intensos e já na expectativa de retorno para as atividades, vi que amo o passado mas não vejo. Vi que visitar quadros nas paredes da memória às vezes dói, mas é necessários para não viver como nossos pais.

É, Bel, ano passado eu morri, esse ano morri de novo, mas toda queda tem um levante e “Deus é Brasileiro e anda do meu lado”.

Os “Galos, noites e quintais” são diferentes, já mostrou Vannick na nova mixagem do seu Ep, mas continua afirmando o olhar lacrimoso que trago e ainda tenho que ganhar esse mundo de meu Deus fazendo eu mesmo meus caminhos. Talvez eu não esteja em um momento feliz, mas redescobri que não sou mudo e logo voltarei a cantar muito mais.

Obrigado, Belchior!

Obrigado, Vannick!

*Este texto expressa, exclusivamente, a opinião do autor