Segundo o poeta, o tempo é o senhor de todos os destinos. Esse mesmo compositor, desafia esse “Deus” e hoje completa 80 anos com a destreza de um menino. Caetano Veloso chega em tal idade cheio de disposição e reverências devidas ao grande mestre que ele é. Falar do baiano me emociona profundamente, pois na verdade escrevo a trajetória não somente de um artista, mas de um dos pilares da cultura brasileira.
Mesmo ainda fazendo algumas críticas ao que o baiano se tornou nos últimos anos (sua imagem parece ter virado mais um produto que uma contestação), é impossível não classificar como um divisor de águas dentro do nosso cancioneiro popular. Precisamos olhar para Caetano Veloso não como um símbolo imaculável, mas um redescobridor do Brasil.
Veja também
Vejo o compositor como um eterno contestador do que é previsto. O filho da Dona Canô parece que sempre tira algo da manga para desafiar uma sociedade, o que é revigorante dentro de um mundo de poucos medos e obstinações. O seu surgimento na música popular já foi assim, causando estranhamento até em olhares não tão conservadores.
Em 1968, Caetano Veloso soube pela primeira vez o que era sentir isso na pele. Ao apresentar a sua “Proibido Proibir” recebeu uma enorme vaia. O público do festival estava torcendo por “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores”, de Geraldo Vandré. “Que juventude é essa? Se vocês em política forem como são em estética, estamos feitos” gritou o cantor para a plateia abominando tudo aqui.
A desconstrução e questionamentos que o baiano já bebia desde anos anteriores tinha total ligação com a contracultura surgida no mundo nos anos anteriores. Nesse momento a contestação da narrativa linear e luta pela liberdade pulsou mais alto. Movimentos Negros, Feministas e até Hippie ganharam força com a mobilização.
Os jovens da década de 1960 beberam desta fonte em suas produções artísticas. O Tropicalismo não foi o primeiro do Brasil, mas com toda certeza foi o que ganhou mais notoriedade. Quando falamos de música, a Tropicália, trazia esse concretismo já presente na literatura. Gilberto Gil, Torquato Neto, Tom Zé e outros encabeçavam tudo isso.
Caetano Veloso ganha então papel forte de contestação em letras com “Alegria, Alegria” no Festival de 1967 misturando elementos culturais e descrevendo um novo. O compositor, na verdade, é mais antropofágico do que qualquer coisa, visto que sua compreensão e intelectualidade unem o passado e o presente. Saber que ele é brasileiro é uma dádiva, pois a música não está longe das ideologias e Caetano faz questão de mostrar tudo isso.
Sua perturbação ao regime repressor era tanto que foi preso e exilado, mas jamais amordaçado pela censura. O disco “London, London”, que recentemente completou cinquenta anos, é uma prova disso, de toda essa revolta que se tornava arte.
O mais incrível é que depois de tanto tempo, mais de seis décadas, Caetano Veloso segue sendo um símbolo para uma juventude que continua buscando outros ídolos. Sua última turnê lotou estádios e teatros por esse Brasil, e a plateia misturou gerações em um único coro que pede apenas felicidade.
Oito décadas de vida não podem se resumir em linhas, digo isto para tirar um pouco da minha responsabilidade de escrever sobre Caetano Veloso no dia de seu aniversário. Este artigo, não passa de uma homenagem para aquele que desafia os giros do mundo e se mostra eterno, mesmo sabendo que o novo sempre vem.
Seu maior grito de contestação não foi diante à ditadura, mas ao tempo, o senhor maior que ele já descreveu em canção e utilizei para começar o texto deste domingo. Olhar para o irmão de Maria Bethânia é assistir um menino que não cansa de recomeçar e nem colocar a cara a tapa.
Ainda precisamos muito de Caetano Velo, da sua garra, do seu grito, do seu olhar que sempre me faz pensar que na verdade eu não entendo nada. Ele que sabe, ele conhece o Brasil, os sons, as matas, os povos e canta uma país nacionalista sem necessidade de bandeirinhas verde-amarelas. Vida longa!