Lives, livro e documentário: a quarentena produtiva de Caetano Veloso

O compositor soube tirar proveito do ano de 2020, e mesmo com as adversidades, lançou projetos que marcaram sua carreira

Legenda: Em live, Caetano Veloso celebrou a carreira com irreverência e espontaneidade. Sem preocupação com a crítica, pareceu totalmente à vontade.
Foto: Divulgação

Daqui a poucos dias 2020 se encerra. O ano finaliza como um dos piores da era contemporânea. Foram longos meses de incertezas, angústias e privações. Mesmo sabendo que no próximo dia 31 de dezembro não serão eliminados todos nossos problemas, a espera de 2021 caminha repleta de esperanças e expectativas.

De todo modo, não podemos apagar 2020 da história, foi um tempo de reestruturação, aprendizados e muita luta. Há quem possa ainda sair dele com a sensação de dever cumprido. Caetano Veloso, um dos maiores nomes da música brasileira, e talvez mundial, soube ser fênix e se reinventar mesmo em um período doloroso, fazendo da arte ainda mais presente na vida de seus fãs e admiradores.

 Na sua longa quarentena, o baiano foi altamente produtivo e viu sua carreira se renovar em respiros no meio do caos. Teve a live mais esperada pelo público, lançou documentário, livro, e pode-se dizer que até superou o “Rei Roberto Carlos” fazendo mais uma apresentação virtual, agora para celebrar as festas de fim de ano.

Em um teatro, com direito a cenário e luzes, o compositor tropicalista fez um show que relembrou sucessos, como a dramática “Você Não me ensinou a te esquecer” de Fernando Mendes e a também sofrida “Muito Romântico”. Cantou músicas esquecidas do seu repertório como “Noite de Cristal”, pedido pela própria irmã Maria Bethânia para a apresentação de ontem. 

Risonho, Caetano Veloso celebrou a carreira com irreverência e espontaneidade. Sem preocupação com a crítica, pareceu totalmente à vontade. Se deu o direito de errar, largou mão do perfeccionismo e em mais de uma hora e meia de show, conversou com as câmeras de forma íntima, olhando no olho da plateia que o assistia em casa. 

Repleto de entusiasmo, Caetano fecha um ciclo bem sucedido na sua carreira. Um ano que voltou a conquistar um público no qual havia se afastado. Foi se humanizando, fez sucesso na internet, festejou sua juventude e cantou um Brasil necessário.

A tão esperada “Live a lenda”

Não era difícil entrar nas redes sociais e encontrar #livealenda. Esse foi o hino dos que clamavam por uma live do tropicalista Caetano Veloso nesta pandemia. A ideia surgiu da companheira do compositor, Paula Lavigne, que chegou a ser taxada na web de chata. Na verdade, a campanha foi uma genial jogada de marketing que reavivou o artista.  

Visualizar vídeos do Caetano de pijama, chinelo (que ganhou de presente da Preta Gil) e reclamando sempre de algo, virou parte da rotina dos amantes de música brasileira. Os registros amadores, aos poucos, se tornaram estratégia de promoção.

Enquanto artistas de várias gerações e nacionalidades buscavam as chamadas “lives” para impulsionar a carreira nos tempos de isolamento, o filho da Dona Canô rejeitava a proposta (ou pelo menos parecia) e se mostrava preferir ler seus livros, beber kombucha, comer paçoca e assistir as apresentações virtuais dos colegas.

Nesse meio termo é lançado nas plataformas digitais o show do projeto “342 Amazônia”, gravado no dia 4 de Julho de 2019 no Circo Voador, mas que veio ao acesso do público este ano na semana nacional do meio ambiente. No show que marcava o ativismo ambiental, Caetano Veloso fez duetos com Jorge Drexler, Dônica, Majur, Hiran e Teresa Cristina. Mais do que nunca o pedido #livealenda tomou fôlego e força. 

A tão esperada data chegou e o anúncio “Vai ter live” ganhou o mundo e muitos compartilhamentos. Assim como o companheiro Gilberto Gil, Caetano resolveu celebrar seus 78 anos de vida, com uma apresentação virtual na data de seu aniversário, 7 de agosto, em uma sexta-feira que marcou, sem qualquer dúvida, sua carreira.

Junto dos seus filhos Moreno, Tom e Zeca, o pai da Tropicália fez de casa uma live simples, mas que pela produção, escolha de repertório e a expectativa de seus fãs, caminhou feito um grande espetáculo. Caetano é Caetano, e sua genialidade, talento e empatia não tem tempo, formato ou ocasião.

Narciso em Férias: documentário e livro

Exatamente um mês após a bendita live, outro grande projeto iria perpetuar o sucesso de Veloso. No dia 7 de setembro, data que marca a independência do Brasil, foi lançado no festival de Veneza o documentário "Narciso em Férias” de Renato Terra e Ricardo Calil.

O filme baseado em um capítulo do livro “Verdade Tropical”, Caetano Veloso narra seus longos e tenebrosos dias nos cárceres da Ditadura Militar no ano de 1968. Neste trabalho, o artista volta depois de quarenta anos a uma das prisões no qual ficou detido e relata seus momentos de angústias e medos.

O documentário mexe com o íntimo da alma. Um ex-prisioneiro de um regime militar relatando de forma tão sincera sua caminhada chega a ser tocante. A humanização do astro foi feita de forma tão delicada, que o público visualiza a narrativa e viaja no tempo.

Ainda no filme, uma música marcou a história. “Hey Jude”, sucesso dos Beatles, foi vista pelo cantor como um som que parecia um anúncio de liberdade enquanto preso. A letra foi gravada em “Single” e lançada nas plataformas digitais como trilha do filme. 

Além do projeto documental e fonógrafo, “Narciso em Férias” também surge em livro, como uma edição separada de “Verdade Tropical”. O relato, lançado de tantas formas, segue fiel a proposta: contar a história de um Brasil que não pode ser esquecida.

A reinvenção de Caetano Veloso

Almejando trabalhos futuros, como lançamento de novo álbum, Caetano Veloso segue sendo um dos queridinhos deste país. Na live de ontem mostrou que é o “senhor do tempo” e, sem perder o foco de especial natalino, celebrou a vida, a carreira e os inúmeros admiradores que lhe seguem.

Como uma das “pedras fundamentais” na construção da música popular brasileira, o compositor baiano segue inovando, mostrando uma realidade inventada, até mesmo quando canta seus sucessos mais antigos. Em uma fase nova, aparentemente mais família, pai e avô, caminha dentro da sua essência leve porém questionadora

Caetano é bossa, é fossa, rancho, valsa e samba. É a mistura tropicalista que eclode em um Brasil plural de raças, cores e sons. O show para celebrar o natal pareceu a concretização de um ano em que o artista brilhou sem mesmo sair de casa.