As partidas que enlutam fãs, mas perpetuam memórias

Vários artistas da nossa música popular faleceram prematuramente e, muitas vezes, no auge da carreira marcando assim gerações

Legenda: Mamonas Assassinas lançaram "hits" que até hoje fazem sucesso no país
Foto: Divulgação

A vida só parece ter lógica pois é finita. A morte, despida de qualquer crença do que existe depois dela, pode até assustar, mas é por saber desta certeza que o ser humano corre contra o tempo para curtir esse meio termo entre o berço e o túmulo. Essas frases parecem mórbidas, podem até ser para o início de um texto que visa escrever sobre a música, porém é uma realidade sempre visível. 

A saída de cena da cantora Paulinha Abelha no último mês enlutou inúmeros fãs da banda de forró “Calcinha Preta”. A partida prematura da artista comunga com uma série de dores, como a trágica morte da cantora Marília Mendonça após um acidente aéreo, aliás, o mesmo motivo que há quase três anos levaria o também sertanejo Gabriel Diniz.

Ainda que a história não seja feita de hipóteses e sim de fatos, é impreciso dizer, por exemplo, se os populares “Os Mamonas Assassinas” não tivessem sido vítimas de um trágico acidente que encerraram suas carreiras, será que ainda seriam vistos como sucesso evidente? Talvez não, partindo do pressuposto de que era uma produção artística despretensiosa e sem qualquer ideologia. O que se sabe, é que seus sons seguem sendo ovacionados por parte deste país e viraram ídolos.

Fãs, fãs, fãs…

Nas décadas de 1940 e 1950, na áurea Era de Ouro do Rádio, o Brasil começou a assistir seus primeiros ídolos no mundo musical nascerem. Falo daqueles que faziam sucesso vindo das grandes massas população. A primeira delas, a famosíssima Carmen Miranda. Portuguesa de nascença, brasileira de coração, a artista foi sucesso nos Estados Unidos e promoveu um Brasil até então pouco visto internacionalmente.

Também de forma precoce, a cantora morreu aos 46 anos vítima de um ataque cardíaco depois de um longo vício em álcool e remédios, mas a figura da baiana, com frutas na cabeça e brinco de argolas seguiram no imaginário popular e perpetuaram uma ideia (estereotipada) do Brasil com relação ao mundo.

O galã Francisco Alves, que tinha como apelido o “Rei da Voz”, foi outro que morreu desfrutando dos mais efusivos aplausos. Morreu há exatos 70 anos, quando trafegava em seu Buick na Rodovia Dutra, voltando de São Paulo. O ocorrido calou a potente voz de um dos pioneiros astros brasileiros, abalando até o então Presidente Getúlio Vargas e tendo um velório de comoção Nacional.

E se Carmen Miranda ou Chico Alves tivessem tido mais tempo por aqui, o que seriam deles? Morreriam depois com tamanha evidência? Nunca saberemos, poderiam ter seguido em carreiras gloriosas ou acontecido com eles o que muitos cantores brasileiros vivenciaram: a morte em vida.

Esse último caso aconteceu com o também glorioso artista da Rádio Nacional, Orlando Silva. Comparado em certos momentos da vida ao próprio Frank Sinatra, o carioca se tornou o “Cantor das Multidões” e talvez tenha sido o mais popular cantor de todos os tempos neste país, claro, nas proporções de sua época. 

Ele interpretou sucessos como “Rosa”, “Lábios que eu Beijei” e “Nada Além”. Igual ao seus antecessores e também contemporâneos, viveu uma vida conturbada e de altos e baixos. Seu vício em morfina não o levou à uma morte antecipada, mas prolongou a existência de um ídolo falido, sem voz, com a imagem desgastada perante os colegas e o público. Orlando Silva morreu aos 63 anos, em 7 de agosto de 1978 de isquemia cerebral, quase no anonimato.

E se?

Muitos foram os artistas que se despediram cedo deste planeta, mas seguiram imortalizados. Dolores Duran, em seus 29 anos de vida, deixou composições sofisticadíssimas e emblemáticas do cancioneiro popular. Elis Regina se foi aos 36 anos no início dos anos 1980, mas segue (e seguirá) sendo a maior cantora do Brasil. 

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Maysa, de vida polêmica, chegou a completar quatro décadas antes de sofrer um acidente na Ponte Rio-Niterói que encerraria sua vida, mesmo esta se tornando posteriormente livro e até série de televisão. Outro que também teve a trajetória ovacionada, no seu caso em filme, foi o saudoso Gonzaguinha, um dos maiores compositores do país, quando colidiu seu carro com uma caminhonete enquanto voltava de um show.

E se Elis ainda estivesse aqui? E se Dolores não tivesse morrido tão jovem? E se Gonzaguinha não tivesse voltado de carro naquela noite? E se? Tais perguntas são tão irracionais quanto deduzir o futuro da sociedade se as tropas de Napoleão Bonaparte não tivessem perdido a batalha de Waterloo e conseguindo assim dominar o mundo.

O que quero dizer, sem misticismo de crer em destino, é que a saída da vida de alguns artistas zelam por uma imagem quase que idolatradas destes e esse pode ser o sentido mais óbvio da palavra eternidade. 

Se nos comportarmos como alguns filósofos ditam, precisaríamos compreender que pertencemos a um determinado tempo. Do Forró a Bossa, quando falamos de ídolos, não mensuramos estilo, qualidade ou erudição musical, precisamos pensar no carinho no coração dos fãs e isso que os perpetuam na memória.

 
 


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