Hétero Tops, Esquerdomachos e a ilusão de que ser homem bastaria

Em novo single, Tiago Iorc fala dos dilemas da “masculinidade” mas falha ao cair em uma auto vitimização desnecessária

Legenda: Capa do novo single do "Masculinidade" de Tiago Iorc
Foto: Rafael Trindade/Divulgação

Uma das definições da palavra “masculinidade” no dicionário é “um ser que apresenta um comportamento viril”. A frase muito me assusta afinal, em pleno século XXI, os significados do que é ser “homem” continuam na ideia pré-histórica da disposição sexual, da potência de membros e corpos que ecoam em desejos, sempre subjugando os demais.

É essa palavra, a tal da "masculinidade", que nomeia o novo single do cantor Tiago Iorc, trabalho que surge após longo período de afastamento dos palcos. A música, fruto da parceria com a dupla Lux & Troia, trata de questionar essa tal definição do gênero, além de criticar uma sociedade dominada pelo patriarcalismo desenfreado e autoritário. 

É importante dizer que não existe um único tipo de perfil machista. Nos tempos atuais, por exemplo, duas expressões, mesmo que esteriotipadas, tem ganhado destaques na linguagem popular: são os “hétero tops” e os “esquerdomachos”. Com características distintas, a prepotência, o abusivo, a agressividade são pontos de convergência que resultam da luta de ambos pela mesma disposição viril.

O primeiro, se sente o tal “alfa” e faz retornar o humano aos instintos mais primitivos e selvagens, ostentando a voz alta, a arrogância e o preconceito. Desfilam suas camisas de “gola polo” junto de garrafinhas verdes para se sentirem superiores e donos de tudo, inclusive das mulheres.

A segunda categoria, talvez a mais disfarçada, são aqueles homens que possuem um bom papo, metidos a progressistas, falam de artes e até dizem defender o feminismo. Mas na intimidade, por trás da capa de roupas “cool”, são abusivos e canalhas da mesmíssima forma do outro grupo.

Acusando os “heterotops”, Tiago Iorc se mostra um legítimo “Esquerdomacho” em sua vitimização barata. Ele pode até mostrar o real, mas não convence ao dizer que o veste. É quase que irracional cair na ladainha de acusações que deveriam voltar para si, quando se coloca no centro de uma vitimização existente porém errônea. 

Além de insossa, a música não trabalha a sinceridade de quem mais parece está fazendo uma boa chantagem emocional e se sentindo melhor que os demais por afirmar que tem sentimentos. O lançamento e suas contradições também nos fazem refletir quanto nossa posição diante disso tudo.

“O que é ser homem?”

“Um dia, vivi a ilusão de que ser homem bastaria”, esse é um dos trechos mais lindos da história da música brasileira, em minha opinião. Pertence ao agora imortal Gilberto Gil, que em “Super Homem - A canção”, esbanja sua porção mulher. Certa vez, ao ser questionado sobre a letra em entrevista, o baiano respondeu rápido: e todos nós não viemos de um pai e uma mãe?

Em um mundo de tantas intolerâncias onde o patriarcado machista dita regras, reforço a arte como forma de questionamento. A música compreende que a essência de tudo é a sensibilidade e esta independe de raça, credo, gênero ou classe social.

Quando isso volta à letra proposta por Tiago Iorc, várias visões podem ser observadas e vários partidos tomados diante a analogia da música. Muitos estão criticando, outros elogiando e até aplaudindo. Agora, se olharmos para a obra separando o lado sentimental e tentando absorver sua identidade é preciso fazer várias ponderações.

No decorrer dos mais de seis minutos de "Masculinidade", a faixa ganha uma conotação autobiográfica do autor que conta seus dilemas e o motivo de ter se afastado da própria carreira. Ele acusa o machismo, e se põe como vítima dele, menciona até seu pai e seus antepassados como frutos infelizes dessa sociedade patriarcal.

O importante frisar é que mesmo tendo muitos homens  reféns desse “regime” pré-existente e alguns até sofram por isso, não podem ser considerados as vítimas dessa sociedade. Concordar isso é negar o número de mulheres violentadas diariamente em suas mais diversas formas, castradas de fala em um mundo desigual e segregador.

Não existem heróis

O machismo segue enraizado na mente masculina, mesmo os que o negam possuir. Somos reprutores de uma sociedade patriarcal e é preciso trabalhar todos os dias como quebrar esse sistema, unindo vozes e repensando pequenas atitudes e até omissões.

Ainda que esteja em seu local de fala, o compositor ao questionar a masculinidade deveria colocar em reflexão que a vítima do machismo é o feminino. Sua tentativa de ser “super homem” termina por ser frustrada diante vários olhares que enxergam a música como uma estratégia de marketing para esse retorno ao meio artístico.

Não devemos esperar que surjam “Super Homens” que mudem o curso da história por causa da mulher, isso não existe e nem devia ser imaginado. Ninguém é herói e não pode ser exaltado quem não faz mais do que sua obrigação quanto humano e cidadão. Admitir falhas e sentir, deveria ser mais naturalizado do que se imagina e não se tornar um jogo de sedução que beira abuso psicológico.

Ao tentar reproduzir o acerto de “Desconstrução”, faixa de seu último álbum, Tiago Iorc errou na conotação que cai em uma auto exaltação do homem que sofre por ter emoções. Seu discurso escapa e adentra no machismo que muda de nome, forma e até visual, mas continua ignorando a voz das mulheres.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

 


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