Nas redes sociais, sites, boca-a-boca: Maid, série da Netflix estrelada pela excelente Margareth Qualley, é um sucesso. Rendeu choro, gatilho, ansiedade, pena e corações partidos a história da mãe jovem que luta contra um sem-fim de dificuldades para criar e sustentar a filha de 3 anos. Até aí, tudo normal. Estranho seria se mulheres não se comovessem com o drama baseado no livro de Stephanie Land. Acontece que o problema é justamente esse.
No meu círculo, não vi, nem li, nem ouvi falar de um único rapaz que postou, escreveu, indicou ou se mostrou sensibilizado com o enredo que não está só na TV, mas que poderia ser contado por tantas de nós, incluindo suas próprias mães.
Talvez para parte dos homens o sofrimento da protagonista Alex, os traumas que ela carrega, os abusos que sofre, a violência a que é sistematicamente submetida é “coisa de mulherzinha”.
Uma pena.
Não é nova a impressão de que histórias protagonizadas por mulheres ou que expõem dores muito comuns ao universo feminino não despertam interesse nos homens. Tem uma mãe sofrendo por ter sido violentada pelo marido? Não interessa.
Um documentário sobre o precário sistema educacional na Índia, que afeta principalmente meninas daquele país? Tampouco. Uma mulher trans, negra e periférica sendo para sempre negligenciada por homens que dizem a amar? Muito menos.
O que Maid nos conta ao longo de 10 episódios, nós, mulheres, já sabemos. De cor e salteado.
Choramos justamente por isso, estamos familiarizadas com aquelas cenas, em menor ou maior escala. Sabemos que o cara da vida real poderia ser o rosto do pai omisso e violento. Ou quem é o marido bonitinho que diz amar e proteger, apaixonado, com nuances de gente fina, mas que é abusivo física e psicologicamente nas horas vagas.
Poderíamos nomear, com facilidade, o amigo que está ali, a postos, estendendo a mão e não vê a hora de que tudo acabe na cama – onde só ele se satisfaz, vale ressaltar.
Conheço cada homem de Maid e lamento que nenhum deles sente diante da TV para se ver. Para se sentir desconfortável, vestir a carapuça e, finalmente, tomar o lugar que lhe cabe na luta exaustiva contra um looping infinito de violência.
Se Alex, assim como muitas mulheres da ficção, saiu da vida real, podemos dizer o mesmo dos personagens masculinos. A presença deles e o sistema milenar que os beneficia é o que torna a série tão dolorosa. A estrutura machista em Maid é didática e panorâmica: afeta as relações íntimas, familiares, sociais e econômicas de uma mulher. E isso, claro, salientando que Alex é uma mulher cis, branca e padrão.
É urgente que os homens encarem esse espelho perverso de privilégios e de vícios. É preciso sentar por algumas horas e ouvir o que estamos falando, nem que seja nas telas ou travestido de entretenimento, pra começar. Maid é uma série perfeita para este fim. Só falta eles perceberem isso.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.